Controle de subordinados é feito com escutas clandestinas e monitoramento constante do uso da internet. Base aliada na Câmara conseguiu abafar CPI para investigar denúncias
Publicação: 25/09/2011 07:47 Atualização:
Guarda Municipal, que deveriam atuar apenas na segurança de bens e serviços da PBH, são acusados de espionar os próprios colegas |
Com a função constitucional de cuidar da segurança de bens e serviços da prefeitura, a Guarda Municipal de Belo Horizonte ganhou, sob a tutela dos militares, também uma função típica de polícia. De acordo com site do Executivo, é o PM reformado Antônio Eleotério Ferreira quem comanda a Gerência de Inteligência, um setor que, segundo relatório concluído pela Câmara Municipal, tem servido para práticas de arapongagem, vigiando desafetos com escutas clandestinas e monitoramento de páginas da internet. Apesar das fotos dos equipamentos, anexadas à investigação, o órgão nega.
A denúncia de uma escuta clandestina na guarda foi justamente a principal motivadora da criação da comissão especial da Câmara Municipal. A primeira tentativa era de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). De olho no peso político de uma CPI, que tem acesso a documentos sigilosos, parte da base governista do Legislativo teria se mobilizado para “abafar” o caso, transformando-a em comissão especial, com menos poder de investigação.
De acordo com boletim de ocorrência, os guardas municipais Ivan Damasceno de Araújo e Aldemar de Souza Vilanova teriam encontrado um rádio HT preso com fita adesiva no teto de uma sala na sede da instituição, na Avenida dos Andradas, no Centro da capital. Segundo pessoas ligadas às investigações, o aparelho serviria para captar declarações de uma funcionária, que seria “perseguida” pelo comando da guarda. Depois de terem flagrado o aparelho, servidores teriam “seguido” fios do aparelho e chegado a uma central de gravação. Outros aparelhos estariam instalados em outros cômodos.
O caso foi parar na Corregedoria Geral do Município e, segundo a assessoria de imprensa da Guarda Municipal de Belo Horizonte, não foi constatada “a existência das irregularidades denunciadas”. Depois das denúncias, dois funcionários teriam sido afastados da guarda. Em depoimento à comissão especial da Câmara, o corregedor da guarda, coronel reformado Roberto Rezende, admitiu a descoberta da escuta clandestina, afirmando que foi feita por dois funcionários.
Em depoimento à comissão especial da Câmara, o secretário municipal de Segurança Urbana e Patrimonial, Genedempsey Bicalho, negou que a Gerência de Inteligência “persiga” funcionários. Segundo ele, o setor tem como função agrupar dados para melhorar a gerência da guarda. Fazem parte da mesma pasta a Gerência de Documentos e Arquivos, a Gerência de Segurança Interna, a Gerência de Defesa Urbana e a Gerência de Apoio Técnico.
Rede vigiada Já o corregedor Rezende, também em depoimento à comissão especial da Câmara, admitiu existir setor na instituição que vigia as páginas de relacionamento na internet de guardas municipais. Segundo relatos, há militares que passam o dia na rede, selecionando e imprimindo declarações virtuais para arquivamento. “Ninguém é punido por estar insatisfeito. Mas não pode agredir”, disse Rezende, acrescentando que já houve punição na guarda por uso do Orkut, com “atos de rebeldia”.
Os documentos da internet são usados em processos administrativos contra guardas municipais. O Diário Oficial do Município registra processo disciplinar contra o presidente do SindGuardas, Pedro Ivo Bueno, em 2 de agosto deste ano. O texto cita diversas “incorreções” no uso da internet como justificativas para a investigação. Em um dos itens, ele é acusado de “incitar integrantes da guarda à prática de atos de insubordinação e indisciplina perante o comando da instituição”, “com destaque para as cópias de postagens feitas na internet, inclusive das mensagens contidas no seu blog”.
Os militares estariam ainda aproveitando o comando das gerências das guardas para empregar apadrinhados e até parentes, constando também no relatório da Câmara Municipal. Pelo menos dois filhos de “comandantes” teriam sido contratados pela instituição. Adriano Rezende, filho do corregedor Roberto Rezende, foi chamado como psicólogo pela Prefeitura de Belo Horizonte, sendo desligado em 2009, depois de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre caso de nepotismo. Já Patrícia Rodrigues, filha do coronel reformado Josemar Trant, um dos gerentes da guarda, foi designada coordenadora de projeto de escotismo da instituição e ainda trabalharia no órgão.
Regras militares são questionadas na Justiça
Criada em 2003, a Guarda Municipal de Belo Horizonte já nasceu nas mãos de militares reformados. A missão de formular e organizar a instituição foi dada ao coronel reformado Genedempsey Bicalho e colegas pelo então prefeito Fernando Pimentel (PT). A ideia era que, pouco a pouco, a guarda passasse para o comando de civis. Quase 10 anos depois e ainda sob a coordenação de remanescentes da PM, que ganham entre R$ 1.129,44 e R$ 10.494, guardas reclamam de conceitos rígidos de hierarquia e disciplina no dia a dia do agrupamento e de trechos do Estatuto da Guarda. Em despacho, um juiz chegou a categorizar um de seus artigos como inconstitucional.
Nos corredores da guarda, no Centro da capital, os guardas tratam seus “comandantes” pelas patentes militares. Há majores, tenentes e coronéis. O responsável pela pasta, Ricardo Belione, é tratado como “coronel”. As continências, apesar de terem sido retiradas do estatuto do órgão, ainda fazem parte da rotina dos guardas. O sindicato da categoria afirma que há várias denúncias de assédio moral contra gerentes. Para o SindGuardas/MG, há mais militares reformados do que os 20 informados pela assessoria de comunicação da Guarda Municipal, chegando a mais de 50. Os reformados ocupam ainda oito pastas na Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial, que tem a guarda como principal “braço”.
Nas ruas da capital, os guardas preferem não falar muito sobre o assunto. Pedindo para não serem identificados, dois deles disseram sentir medo de repressões, já que o estatuto prevê a proibição de “sindicalização, greve e atividade político-partidária”. Eleito presidente do SindGuardas/MG este ano, Pedro Ivo Bueno pediu licença sem prejuízo na remuneração, como previsto na Lei Orgânica do município, a representantes sindicais. Com pedido negado pela prefeitura, ele entrou com mandado de segurança na comarca de BH.
O juiz Renan Chaves Carreira Machado, da 5ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal, determinou a imediata liberação do guarda para atividade sindical, ponderando que há previsão legal na Constituição Federal, que impede apenas militares de exercerem a atividade. Em outro despacho na 4ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal, sobre mandado de segurança preventivo a outros dois guardas filiados ao sindicato que foram intimados a depor na Coordenação Operacional da Guarda Municipal, o juiz Renato Luís Dresch afirma que a proibição de sindicalização é inconstitucional.
Denúncias foram desqualificadas
Procurada para comentar as supostas irregularidades, por meio de assessoria de comunicação, a Guarda Municipal de Belo Horizonte preferiu se manifestar por e-mail. Para a instituição, as denúncias da Câmara Municipal, encaminhadas e investigadas em inquéritos do Ministério Público de Minas, “não se deram em razão de efetivo interesse público, uma vez descabidas, aventando-se a possibilidade de se basear em mágoas de cunho pessoal e interesses políticos”.
Sobre os contratos com a Fundação Guimarães Rosa, a assessoria afirma que “nenhum dos membros do conselho da fundação, servidores da Secretaria Municipal de Segurança e da Guarda Municipal (concomitantemente), em momento algum, ordenou qualquer despesa em contratos firmados entre o Município de Belo Horizonte e a Fundação Guimarães Rosa”. Destaca ainda que os contratos são feitos pela Secretaria Municipal Adjunta de Recursos Humanos.
A assessoria diz também que a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), ligada à Universidade Federal de Minas Gerais, e a Fundação Mariana Resende Costa (Fumarc), vinculada à PUC Minas, foram “consultadas”, mas por serem “voltadas a concursos de profissionais já formados”, não atendiam a necessidade de capacitação dos guardas.
A respeito da militarização da instituição civil, a assessoria diz que “não há impedimento legal nessas contratações, pelo contrário, a inserção desses profissionais é criteriosa e considera sua formação e capacidade de gerenciamento”. Ressalta ainda que a presença de militares “visa a formação e preparação continuada dos agentes da Guarda Municipal” para que alcancem postos de comando e gerenciamento da instituição.
A reportagem solicitou o nome dos militares reformados ocupantes de cargos comissionados na Guarda, que é uma informação pública. O assessor Roger Victor Gebhard Leite se negou a passar a informação, alegando que não “exporia os militares reformados”, caso que “ultrapassaria os limites da reportagem”.
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