PARANÁ SEGURO
Albari Rosa/ Gazeta do Povo
A presença de homens da Polícia Militar e da Guarda Municipal, com pistolas e fuzis, não alterou a rotina de orações da Congregação Cristã no BrasilUm dia e uma noite na primeira UPP do Paraná
A reportagem da Gazeta do Povo acompanhou durante 24 horas o cotidiano das 12 vilas do Bairro Uberaba que foram ocupadas, à revelia da comunidade, por centenas de policiais
Publicado em 04/03/2012 | MAURI KÖNIG, DIEGO RIBEIRO E FELIPPE ANÍBALFé na Vila Icaraí: fiéis mantêm encontro
Uma frágil lâmpada incandescente ilumina o aglomerado de pessoas em frente do número 237 da Rua Central, no Jardim Icaraí. Na frente do barraco de madeira, o cooperador da Congregação Cristã no Brasil Abraão Isaac Domingues evoca o Salmo 23 para encerrar a reunião de cânticos da última quinta-feira. Ele e mais oito “irmãos”, todos alinhados em terno e gravata, compartilham a palavra de Deus com outros fiéis levando a Bíblia nas mãos. Na comunidade vizinha, a Vila Reno, homens da Polícia Militar e da Guarda Municipal portam pistolas e fuzis.
Abraão, morador do Jardim Iguassu, é leiteiro há dez anos. “De dia o bolsinho, de noite o evangelho”, diz.
Essa é a rotina do homem que reveza o tempo entre o trabalho para sustentar a família e a missão evangelizadora. Toda quinta-feira, ele e o grupo de “irmãos” percorrem as vilas da região até chegar à casa da pessoa que solicitou a reunião de cânticos. Homens e mulheres costumam rezar em ambientes separados, elas cobrindo a cabeça com um véu. Em geral, esses encontros terminam com um lanche de confraternização.
A galera do “gole”
A presença de policiais e guardas municipais também não afastou a galera do “gole”, que frequenta os bares da região (foto). Em uma praça na Rua Zacarias Gomes de Souza, no Jardim Centauro, um grupo de jovens, reunidos como de costume para beber, duvidou do futuro da segurança no bairro. Segundo eles, a UPS não passa de uma ação promovida em época de eleição
Uma população surpresa com uma quantidade jamais vista de policiais no bairro e uma rotina inalterada por causa disso foi o que encontrou a reportagem da Gazeta do Povo, que acompanhou o cotidiano das vilas do Uberaba durante 24 horas, das 19 horas de quinta-feira até as 19 horas de sexta. Apesar dos cerca de 200 policiais e guardas municipais que circulavam pelas ruas e vielas, as igrejas seguiram seus cultos normalmente, as famílias não deixaram de sair à noite e os amigos continuaram a beber sua pinga ou cerveja nos botecos. A maioria da população, salvo algumas lideranças comunitárias, nem sequer sabia o que estava se passando.
Uma das apostas da cartilha da segurança pública no Rio de Janeiro e meta do Paraná para diminuir a violência no estado, a aproximação com a comunidade não foi colocada em prática logo na primeira das UPSs. Avisar a população sobre a ocupação e conversar com os líderes comunitários são pontos fundamentais para o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro e regra de toda filosofia do policiamento comunitário.
Para Edna Paixão da Silva dos Santos, 43 anos, uma das líderes comunitárias mais conhecidas na região da Vila Icaraí, a ação iniciada na quinta-feira poderia ter colocado em risco a população. Segundo ela, seus filhos, ao ouvirem o barulho das sirenes, correram para rua, como de costume. “Quando acordei, ouvi o barulho. As crianças correram para rua para ver tudo. Poderia ter ocorrido qualquer tiroteio. É preciso avisar a gente”, afirma.
Segundo a assessoria de imprensa do governo, a operação que iniciou a implantação da primeira UPS do estado não foi informada aos líderes comunitários porque se trata de projeto piloto. De acordo com o governo, nenhuma ação policial é antecipada à população. Mesmo contrariando a filosofia do policiamento comunitário, o governo ressaltou que a ação no Uberaba não causou constrangimentos a ninguém.
Na avaliação de um comerciante ouvido pela reportagem, a abordagem pode até não ter causado constrangimento, mas não foi eficiente. “Desse jeito não vão prender ninguém. Os caras [traficantes] estavam hoje mesmo [sexta-feira de manhã] andando na rua aí em frente”.
Mesmo com o lapso governista, Edna elogia a ação. “Os policiais precisam continuar aqui. Além disso, temos de ter mais lazer, esporte, educação, limpeza dos bairros. Aqui há muito matagal, terreno abandonado”, conta. O medo de Edna é um reflexo de quem já viu uma das suas filhas quase ser sequestrada duas vezes no ponto do ônibus. “Tentaram levá-la, mas o motorista do ônibus ajudou e deu tudo certo”, relata.
Confira algumas fotos da Ocupação (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)
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