Agora que fiquei velho, que não sou mais rebelde, nem transgressor; agora que cruzo a rua na faixa e paro o carro para o pedestre atravessar, eu queria confiar na polícia.
Agora que eu tenho medo de assalto, agora que confiro duas vezes se a porta da frente está fechada, agora que eu olho pra ver se ninguém está me seguindo quando saio do banco, eu queria acreditar na polícia, queria mesmo, dar bom dia para o policial do quarteirão, como fazia com o Guarda Civil da minha infância, aquele com a farda azul-marinho linda e espadim e luvas brancas, que ficava na porta do cine Júpiter, na Penha.
Queria conhecer os rapazes da rádio patrulha do meu bairro aqui, reencontrar, sempre que saísse para caminhar, uma dupla Romeu-e-Julieta (um policial masculino e um feminino, patrulhando a pé as ruas, alguém se lembra?), deixando a vizinhança mais tranquila.
Eu queria, mas não consigo.
Eu tenho é medo da polícia.
Mais medo do que quando eu era hippie e cabeludo e a PM descia a borracha porque a gente era tudo "maconheiro vagabundo".
Mais medo do que quando a polícia corria atrás da gente a cavalo e a pé, jogando bomba de gás lacrimogêneo pelas ruas do centro de São Paulo, no tempo das greves dos estudantes, anos 1970.
Mais medo do que quando, aos 17 anos e sem carteira de habilitação, era o motorista da família, buscando caminhos alternativos para evitar as blitze que existiam então.
Eu morro de medo de um policial que diz 'estrebucha, filho da puta' para um rapaz que está de fato estrebuchando, espumando, morrendo na frente dele e de uma câmera de celular.
Caramba, eu tenho pesadelo com esta voz que também pergunta pro outro rapaz ferido: "Ainda não morreu?".
Pavor!
Não era pra ter medo, ou seja, era pra estar acostumado, porque essa é a mesma polícia que, numa lista infindável de façanhas do tipo, executa numa emboscada uma suposta quadrilha de assaltantes de caixas eletrônico, só pra 'mandar um recado para a bandidagem'.
O problema é que o recado se espalha com o pânico que essa polícia de São Paulo causa nos cidadãos minimamente preocupado com valores ultrapassados como direito à defesa, presunção de inocência, Justiça etc.
É toda ela assim, a polícia de São Paulo, atua na base do atira primeiro e pergunta (e xinga...) depois?
Claro que não: houve, há e haverá sempre os bons policiais, que certamente devem ter um baita medo de certos coleguinhas de farda completamente desequilibrados.
Outro dia apareceram alguns desses soldados de verdade na TV, tentando controlar aquelas meninas doidinhas de cheirar cola que ficam brincando de fazer arrastão na Vila Mariana, bairro de classe média de São Paulo.
Com paciência de Jó os PMs (gostaria de saber o nome deles...) cercavam as crianças tresloucadas, procuravam conversar, seguravam as meninas com idades entre 6 e 12 anos que detonavam a sala de uma repartição pública, tentando fugir.
Vendo a cena, quantos de nós não teve vontade de dar umas palmadas naquelas pequenas delinquentes, filhas de grandes delinquentes, frutos de um Estado que delinque? É assim que se faz, não?
Os soldados que mantiveram o controle emocional e atuaram corretamente com as crianças são, na verdade, exceções que confirmam a regra, de uma polícia que assusta em vez de tranquilizar, que respeita uma única lei, a "lex talionis", olho por olho, dente por dente.
E o pior é que muita, mas muita gente mesmo gostaria que estivessem 'trabalhando' ali no caso das crianças alguém que resolvesse o problema na base do "estrebucha, menina, estrebucha"...
Luiz Caversan, 55 anos, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve aos sábados para a Folha.com.
- E-mail: caversan@uol.com.br
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