Romeu Tuma Pedem-me para opinar sobre o que virá, com o novo milênio, em relação à polícia e à segurança pública. Missão difícil, não só porque está em moda disfarçar a crueza dos fatos com eufemismos, mas também porque, devido aos novos sistemas de comunicação, principalmente a Internet, as transformações sociais e as alterações de costumes e valores acontecem hoje com rapidez impensável até há pouco tempo. Assim, é quase impossível conferir razoável grau de acerto aos exercícios de futurologia no campo da segurança. Posso, porém, analisar o preocupante – ou alarmante – quadro atual à luz do que a experiência profissional me ensinou durante os últimos quarenta anos. Com isso, conseguiremos identificar os pontos fundamentais para a elaboração de qualquer planejamento. Inicialmente, precisamos nos ater a uma afirmação assustadora. Ela paira no ar há semanas, desde a publicação pelos jornais da seguinte declaração do general Alberto Mendes Cardoso, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República, e um dos homens que considero mais bem informados no País: o crime está mais organizado que as forças repressivas à disposição de nosso sistema de segurança pública. As credenciais do general Cardoso, sob cujas ordens atua a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), abonam a asserção. Reforçam questões decisivas para podermos recuperar o tempo perdido relativamente ao crime organizado e também aos criminosos comuns, que, a cada dia, cometem seus atos com crescentes requintes de perversidade. O que aconteceu para chegarmos a tal ponto? Falta de investimentos, falta de preparo dos policiais, falta de autoridade? Creio que tivemos a soma disso tudo. Mas, principalmente, houve ausência de tratamento digno para os policiais. Houve carência de dignidade no relacionamento social destinado àqueles que exercem a função policial como uma opção de vida, como vocação para servir a sociedade. Este é o fato que considero importantíssimo. Tem-se que recuperar a vontade do policial em servir, bem como o sentimento de estar exercendo as funções com dignidade e com o respeito daqueles que precisam da Polícia para poder sobreviver, preservar os frutos do trabalho e garantir o direito à liberdade. Aí estão os aspectos básicos que precisamos repensar. Os Estados mais ricos já compraram viaturas, helicópteros, armamentos, munições, coletes à prova de bala, equipamentos de comunicação. Mas, vem o general e diz que estamos aquém do necessário para combater o crime, porque os criminosos se encontram em condições melhores que as nossas. É assustador! Há uma só conclusão: esquecemo-nos de investir na pessoa, no ser humano que trabalha na polícia. Por isso, precisamos cuidar com urgência de sua recuperação, sua reciclagem e seu aprimoramento permanente, respeitando os padrões de modernidade criados a partir das experiências realizadas pelo mundo afora. Com relação ao crime organizado, minha presença na Organização Internacional de Polícia Criminal - Interpol durante alguns anos deu-me certeza da existência de colaboração mundial capaz de difundir o conhecimento adquirido em cada país quanto, por exemplo, à necessidade de empregar tais ou quais métodos e forças para obter os melhores efeitos no combate a determinados tipos de delito. Isto além de possibilitar permanente cruzamento de informações no campo criminal, com velocidade incomparavelmente maior do que há menos de uma década. Neste momento, o Diretor da Divisão de Polícia Criminal Internacional, do Departamento de Polícia Federal brasileiro, Dr. Washington do Nascimento Melo, participa da reunião anual da Assembléia-Geral desse organismo internacional, no Egito. Aguardo os resultados do conclave para apresentar, ao Senado, novos trabalhos a respeito do crime supranacional. Propondo a criação de dispositivos legais, pretendo aprofundar o ataque legislativo a determinadas atividades delituosas, que se espalharam pelo mundo e vêm crescendo assustadoramente no Brasil. São os cabeças desses cartéis e máfias multibilionários que intentam transformar-nos em dócil massa de manobra. Quanto ao combate aos marginais que espalham o terror pelas ruas, creio que um bom reforço deverá vir das guardas municipais. Isto porque está em final de tramitação, no Senado, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 87/99, de minha autoria, que altera o parágrafo 8.º do artigo 144 da Constituição Federal para dar poder de polícia àquelas organizações, subsidiariamente às atividades atribuídas às polícias militares estaduais. O artigo 144 instituiu nosso sistema de segurança pública e reservou, para as guardas, a missão de proteger os bens, serviços e instalações do Município. Mas, emendando-se o texto de acordo com a minha proposta, essas organizações poderão executar serviços de policiamento ostensivo e preventivo, mediante convênio com o Estado. As oposições sugeriram que sigamos além, suprimindo a necessidade de convênio. Neste caso, a regulamentação da nova atividade policial seria feita através de lei federal comum, após a aprovação da PEC. A imprensa publicou, há dias, que o governo federal pretende investir 50 milhões de reais nas guardas municipais. Bom, muito bom, embora seja pouco diante do que essas organizações podem fazer em benefício da segurança da população, se forem bem treinadas e aparelhadas. Mas, o próprio artigo de jornal diz também que o meu projeto ainda está dormindo no Senado. Não é verdade. Ele não está adormecido em alguma gaveta. Continua ativo. Já passou por todas as comissões e houve acordo com as oposições, de modo que será aprovado no Senado sem nenhuma dificuldade. O tempo já gasto na tramitação é normal, relativamente às exigências regimentais por se tratar de emenda constitucional. Aliás, a PEC estava prestes a seguir para a Câmara dos Deputados, no mês passado, quando o governo solicitou que se lhe agregasse uma emenda, muito interessante em minha opinião, conforme afirmei em plenário ao pedir que fosse anexada ao meu projeto. E isto fê-la ser submetida à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de onde retornará ao plenário em alguns dias. Trata-se de texto que, incorporado à PEC, criará a Guarda Nacional. E esta, a exemplo do que já fazem as guardas municipais em relação aos bens e instalações das Prefeituras, cuidará da segurança do patrimônio federal. Com a criação da Guarda Nacional – argumenta o governo -, seriam preservadas a imagem e a finalidade do Exército e da Polícia Federal, haja vista para o que vem acontecendo na fazenda pertencente à família do Presidente da República, submetida a periódicas ameaças de invasão pelo MST por ser considerada, por extensão, um símbolo da autoridade presidencial. Assim, meu projeto ganhou maior dimensão. Além de conferir poder de polícia às guardas municipais, permitindo sua ação em apoio às PMs na vigilância ostensiva e preventiva dos logradouros públicos, dá oportunidade ao governo de instituir um novo sistema que garanta o emprego da Polícia Federal e do Exército somente de acordo com sua missão constitucional. Ou seja: onde e quando se verificar a necessidade desse emprego, não poderá existir dúvida quanto à preexistência de grave ameaça às instituições e ao equilíbrio psicossocial. A meu ver, todos esses pontos precisam ser considerados atentamente em qualquer análise do porvir. Creio que o ano 2001 nos encontrará sob sérios riscos, caso não corramos contra o tempo para estabelecer um planejamento sério e eficaz, apto a neutralizar a ação do crime. Só assim não mais teremos nas ruas o terrorismo sem terrorista e nossos cidadãos deixarão de ser prisioneiros do medo. (O senador Romeu Tuma, Delegado de Polícia licenciado, foi Diretor-Geral e Secretário Nacional da Polícia Federal, além de Secretário da Receita Federal e Vice-Presidente da Interpol). |
Artigo publicado em revistas de Brasília e São Paulo em 2003 Extraída de: |
20 maio 2012
POLÍCIA E SEGURANÇA PÚBLICA - PERSPECTIVAS PARA O TERCEIRO MILÊNIO
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Inspetor Frederico