Aposentadoria Especial - Guarda Municipal de Curitiba
Classe: | MI |
Procedência: | DISTRITO FEDERAL |
Relator: | MIN. CELSO DE MELLO |
Partes | IMPTE.(S) - SISMUC - SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE CURITIBA ADV.(A/S) - LUDIMAR RAFANHIM IMPDO.(A/S) - PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) - ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO |
Matéria: | DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Aposentadoria | Especial DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Sistema Remuneratório e Benefícios | Adicional de Insalubridade |
DECISÃO: Registro, preliminarmente, que o Supremo Tribunal Federal,apreciando questão de ordem suscitada, em sessão plenária, no MI 795/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, reconheceu assistir, ao Relator da causa, competência para julgar, monocraticamente, em caráter definitivo,os mandados de injunção que objetivem garantir, ao impetrante, o direito à aposentadoria especial a que se refere o art. 40, § 4º, da Constituição da República.
O caso em exame ajusta-se aos pressupostos que,estabelecidos na questão de ordem ora referida, legitimam a atuação monocrática do Relator da causa, razão pela qual passo a analisar, singularmente, a presente impetração injuncional.
Trata-se de mandado de injunção que objetiva a colmatação de alegada omissão estatal no adimplemento de prestação legislativa determinada no art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição da República.
A parte ora impetrante enfatiza o caráter lesivo da omissãoimputada ao Senhor Presidente da República, assinalando que a lacuna normativa existente, passível de integração mediante edição da faltante lei complementar, tem inviabilizado o seu acesso ao benefício da aposentadoria especial.
O Senhor Presidente da República – autoridade impetrada – encaminhou informações prestadas pela douta Advocacia-Geral da União, propugnando pela denegação deste mandado de injunção.
Cabe reconhecer, desde logo, a possibilidade jurídico- -processual de utilização do mandado de injunção coletivo.
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federalfirmou-se no sentido de admitir o ajuizamento da ação injuncionalcoletiva por parte de organizações sindicais, como a de que ora se trata, eentidades de classe.
Esse entendimento jurisprudencial, adotado a partir do julgamento do MI 342/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, e do MI 361/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, foi ratificado pelo Plenáriodo Supremo Tribunal Federal, ocasião em que se deixou assentada a seguinte diretriz:
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federalfirmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, domandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição.”
(RTJ 166/751-752, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A orientação jurisprudencial adotada pelo Supremo Tribunal Federalprestigia, desse modo, a doutrina que considera irrelevante, para efeitode justificar a admissibilidade da ação injuncional coletiva, a circunstânciade inexistir previsão constitucional a respeito (MARCELO FIGUEIREDO, “O Mandado de Injunção e a Inconstitucionalidade por Omissão”, p. 72, 1991, RT; FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA, “Mandado de Injunção”, p. 97/98, 1993, RT; WANDER PAULO MAROTTA MOREIRA, “Notas sobre o Mandado de Injunção”, “in” “Mandados de Segurança e de Injunção”, p. 410, 1990, Saraiva; ULDERICO PIRES DOS SANTOS, “Mandado de Injunção”, p. 77, 1988, Paumape; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 403, 9ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros,v.g.).
Cumpre admitir, em conseqüência, a possibilidade de utilização, em nosso sistema jurídico-processual, do mandado de injunção coletivo.
Revela-se viável, desse modo, quer à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quer em face do magistério doutrinário, a utilização do mandado de injunção coletivo, quando impetrado o “writ” por organização sindical (como na espécie) ou por entidade de classe.
Sendo esse o contexto, cabe verificar se se revelaadmissível, ou não, na espécie, o remédio constitucional do mandado de injunção.
Como se sabe, o “writ” injuncional tem por função processual específicaviabilizar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas diretamente outorgados pela própria Constituição da República, em ordem aimpedir que a inércia do legislador comum frustre a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo texto constitucional.
Na realidade, o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional qualifica-se - presente o contexto temporal em causa - como requisito autorizador do ajuizamento da ação de mandado de injunção (RTJ 158/375, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), pois, sem que se configure esse estado de mora legislativa – caracterizado pela superação excessiva de prazo razoável -, não haverá como reconhecer-se ocorrente, na espécie, o próprio interesse de agir em sede injuncional, como esta Suprema Corte tem advertido em sucessivas decisões:
“MANDADO DE INJUNÇÃO. (...). PRESSUPOSTOSCONSTITUCIONAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO (RTJ131/963 – RTJ 186/20-21). DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO/DEVER ESTATAL DE LEGISLAR (RTJ183/818-819). NECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE MORA LEGISLATIVA (RTJ 180/442). CRITÉRIO DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE INÉRCIA LEGIFERANTE: SUPERAÇÃO EXCESSIVA DE PRAZORAZOÁVEL (RTJ 158/375). (...).”
(MI 715/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in”Informativo/STF nº 378, de 2005)
Essa omissão inconstitucional, derivada do inaceitável inadimplemento do dever estatal de emanar regramentos normativos -encargo jurídico que não foi cumprido na espécie -, encontra, neste “writ” injuncional, um poderoso fator de neutralização da inércia legiferante e da abstenção normatizadora do Estado.
O mandado de injunção, desse modo, deve traduzirsignificativa reação jurisdicional autorizada pela Carta Política, que,nesse “writ” processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão -e prolongada inércia - do Poder Público.
Isso significa, portanto, que o mandado de injunção deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Poder Público, impedindo-se, desse modo, que se degrade, a Constituição, à inadmissível condição subalterna de um estatutosubordinado à vontade ordinária do legislador comum.
Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência- necessária ao exercício efetivo de determinados direitos nelesdiretamente fundados - depende, essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador.
É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatalde emanar normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individualà atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritashipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito deexclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça anecessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretenderacesso legítimo à via injuncional (MI 463/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 542/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MI 642/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
O exame dos elementos constantes deste processo, no entanto, evidencia que existe, na espécie, o necessário vínculo de causalidade entre o direito subjetivo à legislação, invocado pela parte impetrante, e o dever do Poder Público de editar a lei complementar a que alude o art. 40, § 4º, da Carta da República, em contexto que torna plenamente admissível a utilização do “writ” injuncional.
Passo, desse modo, a analisar a pretensão injuncional em causa.
Cumpre assinalar, nesse contexto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar ação injuncional em que também se pretendia a concessão de aposentadoria especial, não só reconheceu a mora do Presidente da República (“mora agendi”) na apresentação de projeto de lei dispondo sobre a regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição, como, ainda, determinou a aplicação analógica do art. 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com o objetivo de colmatar a lacuna normativa existente:
“(...) APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR -ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial,daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.”
(MI 721/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno – grifei)
Registro, ainda, que esta Suprema Corte, em sucessivasdecisões, reafirmou essa orientação (MI 758/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MI 796/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO - MI 809/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MI 824/DF, Rel. Min. EROS GRAU – MI 834/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – MI 874/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO –MI 912/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MI 970/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.001/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.059/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), garantindo, em conseqüência, aos servidores públicos que se enquadrem nas hipóteses previstas nos incisos II e III do § 4º do art. 40 da Constituição (execução de trabalhos em ambientes insalubres ou exercício de atividades de risco), o direito à aposentadoria especial:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDORA PÚBLICA.ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES DE RISCO OU INSALUBRES. APOSENTADORIA ESPECIAL. § 4º DO ART. 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. MORA LEGISLATIVA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Ante a prolongada mora legislativa, no tocante à edição da lei complementar reclamada pela parte final do § 4º do art. 40 da Magna Carta, impõe-se ao caso a aplicação das normas correlatas previstas no art. 57 da Lei nº 8.213/91,em sede de processo administrativo.
2. Precedente: MI 721, da relatoria do ministro Marco Aurélio.
3. Mandado de injunção deferido nesses termos.”
(MI 788/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO - grifei)
“MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA.NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA.
1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade.
2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial.
3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.”
(MI 795/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - grifei)
Vale referir, em face da pertinência de que se reveste,fragmento de decisão que o eminente Ministro EROS GRAU proferiu no âmbito do MI 1.034/DF, de que é Relator:
“31. O Poder Judiciário, no mandado de injunção,produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico,a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhanteao que se há de passar com a súmula vinculante, que,editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado.
.......................................................
35. No caso, o impetrante solicita seja julgada procedente a ação e, declarada a omissão do Poder Legislativo, determinada a supressão da lacuna legislativamediante a regulamentação do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, que dispõe a propósito da aposentadoria especial de servidores públicos.
.......................................................
37. No mandado de injunção, o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.
38. Na Sessão do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientação jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, reconhecendo a mora legislativa.Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, aplicando-se à hipótese, no que couber, o disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos legais. Foram citados, no julgamento, nessemesmo sentido, os seguintes precedentes: o MI n. 670,DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o MI n. 712,DJE de 31.10.08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05.” (grifei)
Cabe assinalar, finalmente, que a douta Procuradoria-Geral da República, ao pronunciar-se pela parcial procedência do pedido formulado na presente sede injuncional (fls. 1.131), reportou-se ao parecer oferecido no MI 758/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, em cujo âmbito foi suscitada controvérsia idêntica à ora veiculada nesta causa (fls. 1.132):
“MANDADO DE INJUNÇÃO. REGULAMENTAÇÃO DO ART. 40, § 4°, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDOR EXERCENTE DE ATIVIDADE INSALUBRE. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. MI N° 721. RECONHECIMENTO DA OMISSÃO LEGISLATIVA. SUPRIMENTO DA MORA COM A DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO DO SISTEMAREVELADO PELO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, PREVISTO NA LEI Nº 8.213/91, ATÉ QUE SOBREVENHA A REGULAMENTAÇÃO PRETENDIDA. PARECER PELA PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.” (grifei)
Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, concedo a ordem injuncional, para, reconhecido o estado de mora que se imputouao Poder Público, garantir, aos filiados à entidade sindical ora impetrante, o direito de ter os seus pedidos de aposentadoria especial analisados, pela autoridade administrativa competente, à luz do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Comunique-se.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 12 de junho de 2009.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
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Inspetor Frederico