Nobres leitores, após ler e reler os documentos citados: Art. 144 da Constituição
Federal, ADIN 2827 e demais legislações federais, somando isso a pouco mais de vinte
anos de estudos sobre o assunto “segurança pública e guarda municipal”, ainda, acompanhando
os noticiários em TODO o Brasil que tratam sobre insegurança pública tenho a
esclarecer o que segue:
Com a devida “vênia”, respeitando
a decisão proferida pelo Exmo Sr. Dr. Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa
nos Autos n° 023.12.030817-0. Sou um ávido estudioso do direito, razão pela
qual durante esses longos anos de estudo e analise sobre o tema produzi
diversos textos jurídicos e inclusive quatro monografias apresentando uma na Escola
da Magistratura Federal do Paraná (2007), uma na Associação dos Diplomados da Escola
Superior de Guerra (2001) e outra na Escola da Magistratura do Paraná (2011),
todas as teses, em verdade são dissertações sobre este assunto tão complexo e
importante para a sociedade qual seja “a segurança do cidadão”.
Em resumo tenho a relatar que o GRANDE conflito sobre o tema “Guarda
Municipal e Segurança Pública” esta diretamente vinculada à mentira que
perpetua em relação ao exercício da atividade de policiamento ostensivo
preventivo somado a manutenção da ordem pública, tratando sobre a pseudo-exclusividade
do policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública.
Durante o regime militar, leia-se antes de 1988 o Decreto-Lei nº 667/69
considerava o Policiamento Ostensivo Preventivo, exclusividade da recém criada
Polícia Militar (força auxiliar do exército), vejamos: “executar com exclusividade, ... ....o
policiamento ostensivo, fardado, ...
.... a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos podêres constituídos”.
Com o advento da Carta Magna, conhecida como Constituição Cidadã, esta “EXCLUSIVIDADE”
não foi recepcionada, pois, o texto constitucional esclarece em seu artigo 144,
incisos e parágrafos quais são as competências comum e específicas de cada
órgão responsável pela segurança pública, descrevendo ainda quais são as
funções que devem ser exercidas com “exclusividade”, deixando assim conforme
caput do próprio artigo as competências comuns a todos os entes federados
inclusive os municípios, vejamos:
“Art.144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”
Para ilustrar esta dissertação podemos citar como exemplo de
exclusividade inserido na constituição o disposto no Art. 144, inciso IV – (Polícia
Federal), “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União”. Nos demais incisos exceto na função de polícia judiciária estadual não
encontramos esta “exclusividade”, assim temos como exemplo a polícia rodoviária
federal, “órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias
federais”.
O fato é que erroneamente algumas pessoas estão fazendo a interpretação
equivocada quanto ao quesito, preservação
da ordem pública, encontrei esta observação que conduziu ao entendimento do
que realmente estava ocorrendo, vejamos: "Preservação da ordem pública é
atribuição exclusiva das PMs." - Esclareço que este é um GRANDE equivoco,
em momento algum a Constituição de 1988, fala sobre EXCLUSIVIDADE para a PM, e
muito menos foi recepcionada pela Carta Magna a legislação do período
ditatorial. devemos ler com muita atenção o artigo 144 e parágrafos, uma
leitura rápida e inflexiva pode gerar uma interpretação deverás equivocada e
prejudicial.
Com isso esclareço que o Constituinte trouxe esta responsabilidade para
todos os entes federados e pelo fato de ter esmiuçado os item de acordo com o
tipo de policiamento desenvolvido (judiciário/investigativo) (uniformizado/ostensivo),
passou a se criar o mito de que determinada instituição deveria ter
EXCLUSIVIDADE sobre o policiamento ostensivo preventivo.
Em verdade cabe esclarecer que por trás desta pseudo-exclusividade criam-se
a largos passos instituições de segurança privada em todos os municípios em
setores residências (condomínios-fechados) onde estes profissionais são mais
polícia que a própria polícia, com competência inclusive de revistar viaturas
policiais.
Quanto a TAXATIVIDADE descrita na ADIN 2827/RS, Relator Ministro Gilmar
Mendes, trata a Ação Direta de Inconstitucionalidade, sobre o fato de ter sido
inserido o Instituto-Geral de Perícias, no Capítulo destinado a Segurança
Pública na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em contrariedade ao
dispositivo da Lei Maior (Art. 144 da Constituição Federal, incisos e parágrafos),
ressalte-se inexiste corpo sem cabeça, logo o artigo 144 da CF, não deve ser
lido excluindo os seus incisos e parágrafos.
Convém ressaltar que outro ponto curioso e que causaria um verdadeiro
caos jurídico seria imaginar que TAXATIVAMENTE inexiste o termo “Brigada
Militar”, “Força Nacional”, “Polícia Legislativa” e até a “previsão” Constitucional
(Taxativa) do Exército realizar o policiamento ostensivo preventivo (manutenção
da ordem pública).
Vejo-me a imaginar remotamente a possibilidade dos magistrados do Rio
Grande do Sul seguindo esta linha de entendimento, revogando assim TODAS as
prisões efetuadas por “policiais brigardianos”. Não indo muito longe teríamos em
quase todos os estados da federação decisões do Poder Judiciário Federal
revogando a prisão de criminosos conduzidos por integrantes da Força Nacional, composta
por policiais militares (pertencentes a diversos estados da federação), atuando
fora da sua jurisdição em parceria com o Poder Público Federal, qual seja,
Ministério da Justiça.
Sobre a atuação das forças armadas nas ruas a fim de manter a ordem
pública, bem como, a atuação da policia legislativa, que hoje diga-se é a
polícia mais completa do Brasil, pois realiza o ciclo completo, qual seja,
policiamento ostensivo preventivo (termo, gravata, arma velada e insígnia na
lapela) e o policiamento repressivo judiciário (através de investigações,
interceptações e controle completo da sua área de atuação).
Com o devido respeito pela decisão proferida pelo douto magistrado,
creio que no intuito de buscar aplicar a lei “ipsis literis” acabou por não observar o principio inserido no
artigo 301 do Código de Processo Penal, sendo este mesma redação do caput do
artigo 144 da Constituição Federal, vejamos: “Art. 301. Qualquer do povo poderá
e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja
encontrado em flagrante delito.”
Por: Claudio Frederico de Carvalho
__________________________________________________________
11/06/12
Decisão
proferida hoje sobre o tema:
Autos n°
023.12.030817-0
Ação: Ação
Penal - Ordinário/Comum
Autor:
Ministério
Público Estadual - 35ª Promotoria de Justiça
Acusado:
Ademilton
Nilton dos Passos Junior, Carlos Eduardo de Souza, Evandro dos Santos de
Oliveira e Rafael Henrique Dias de Oliveira
Vistos para
sentença.
Com a vinda
do auto de prisão em flagrante, foi determinada abertura de vista ao Ministério
Público antes da análise do artigo 310 do CPP. Com vista dos autos,
manifestou-se o Parquet pela legalidade do flagrante e pelo arbitramento de
fiança para todos os conduzidos. Ofereceu denúncia. Trato, pois, de ação penal
intentada pelo representante do Ministério Público em face de Ademilton Nilton
dos Passos Junior, Carlos Eduardo de Souza, Evandro dos Santos de Oliveira e
Rafael Henrique Dias de Oliveira, todos já qualificados nos autos, imputando-lhes
a prática do crime de transporte ilegal de arma de fogo (art. 16, parágrafo
único, inciso IV, da Lei 10.826/03), e quanto a Carlos Eduardo de Souza, ainda,
o cometimento do delito de desobediência (art. 330 do Código Penal), assim
descritos na peça acusatória:
1º Fato -
Desobediência
Na madrugada
do dia 1º de junho de 2012, por volta da 0h30min, na Rua Silva Jardim, Centro,
nesta Cidade, o denunciado CARLOS EDUARDO DE SOUZA desobedeceu ordem legal de
parada solicitada pela Guarda Municipal de Florianópolis/SC, em razão de
manobras bruscas na condução do veículo SEAT/CORDOBA, Placa MCF-8039, conforme
Boletim de Ocorrência das fls. 34/35.
Ao agir, o
denunciado, juntamente com as pessoas abaixo identificadas, ao perceber a
aproximação da viatura da Guarda Municipal, empreendeu fuga, na condução do
sobredito veículo, ocasião em que foi perseguido e, no local acima indicado,
recebeu ordem legal de parada dada por um funcionário público, ou seja, um dos
Guardas Municipais, à qual não obedeceu.
2º Fato –
Transporte Ilegal de Arma de Fogo
Na madrugada
do dia 1º de junho de 2012, por volta da 0h30min, na Rua Silva Jardim, Centro,
nesta Cidade, os denunciados ADEMILTON NILTON DOS PASSOS JUNIOR, CARLOS EDUARDO
DE SOUZA, EVANDRO DOS SANTOS DE OLIVEIRA e RAFAEL HENRIQUE DIAS DE OLIVEIRA, em
comunhão de esforços e conjugação de vontades, transportavam, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dentro do veículo
SEAT/CORDOBA, Placa MCF- 8039, arma de fogo de uso proibido e munições,
consistentes em 1 (um) revólver marca Taurus, calibre .38, com a numeração
suprimida/raspada e municiado com 6 (seis) cartuchos intactos, conforme o Termo
de Exibição e Apreensão da fl. 21.
"Nesse
contexto, os denunciado, previamente ajustados entre si, aderidos à conduta um
do outro, ao receberem a ordem de parada proferida pela Guarda Municipal desta
Cidade, jogaram pela janela do automóvel acima detalhado, onde todos estavam
trafegando, a referida arma de fogo que transportavam ilegalmente. Ato contínuo,
arrancaram bruscamente com o carro mas decidiram parar, cerca de 500 metros
daquele local, onde a Viatura n. 106 da Guarda Municipal encontrou o artefato
por eles dispensado, razão pela qual foram todos presos em flagrante delito.
Vieram os
autos conclusos.
É o
relatório.
Fundamento e
decido
Da análise do
auto, não obstante já ter o Ministério Público oferecido denúncia e entendido
pela legalidade da apreensão da materialidade de delito e do próprio flagrante
efetuado, insta reconhecer que, nos termos do artigo 144, seus incisos e § 8º,
da Constituição da República, o flagrante foi ilegal. Com efeito, não se
desconhece a polêmica instaurada em torno do "rol" do mencionado
artigo 144 – se taxativo ou não – a despeito de uma simples leitura conduzir à
conclusão de que tal "rol" é, de fato, taxativo.
Recentemente,
na ADIN n. 2.827-RS, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a taxatividade do rol disposto no artigo 144, sendo defesa
aos Estados-membros a criação de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos
no mencionado.
A decisão
restou assim ementada:
Ação direta
de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional nº 19, de 16 de julho de
1997, à Constituição do Estado do Rio Grande do Sul; expressão "do
Instituto-Geral de Perícias" contida na Emenda Constitucional nº 18/1997,
à Constituição do Estado do Rio Grande do Sul; e Lei Complementar nº
10.687/1996, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº
10.998/1997, ambas do Estado do Rio Grande do Sul 3. Criação do Instituto-Geral
de Perícias e inserção do órgão no rol daqueles encarregados da segurança
pública. 4. O requerente indicou os dispositivos sobre os quais versa a ação,
bem como os fundamentos jurídicos do pedido. Preliminar de inépcia da inicial
rejeitada. 5. Observância obrigatória, pelos Estados-membros, do disposto no
art. 144 da Constituição da República. Precedentes. 6. Taxatividade do rol dos
órgãos encarregados da segurança pública, contidos no art. 144 da Constituição
da República. Precedentes. 7. Impossibilidade da criação, pelos
Estados-membros, de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no
art. 144 da Constituição. Precedentes. 8. Ao Instituto-Geral de Perícias,
instituído pela norma impugnada, são incumbidas funções atinentes à segurança
pública. 9. Violação do artigo 144 c/c o art. 25 da Constituição da República.
10. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente.
Ora, se o rol
do artigo 144 da CR é taxativo, não se pode tolerar a atuação da Guarda
Municipal em exercício de polícia ostensiva (preventiva). No presente caso, os
guardas municipais, ao visualizarem veículo com quatro integrantes, em situação
na qual não havia existência flagrante de delito aparente – portanto, não se
tratava de flagrante –, mas, na suspeita levantada, passaram a perseguir, em
evidente abuso de autoridade, o veículo alvo da fiscalização, para depois
realmente se certificarem de que havia crime. Depreende-se, claramente, atuação
de prevenção da ordem pública, própria da Polícia Militar ou Civil. Dessarte, a
Guarda Municipal não é um, nem outro. Sua função constitucional é guardar
espaços públicos e não fazer ação típica de polícia, instituição que não é!
Nesse sentido, a ordem de parada por parte da Guarda Municipal foi ilegal,
pois, sem flagrante delito ocorrendo e ex ante, jamais poderia ter perseguido e
mandado parar o veículo.
Interessante
notar, a respeito da atuação do Ministério Público, que tal posicionamento
também foi abraçado institucionalmente. Conforme salientado por Thiago Augusto
Vieira, em monografia defendida na Universidade Federal de Santa Catarina,
sobre o título o "Poder de Polícia e os Limites de Atribuições das Guardas
Municipais" (Florianópolis, UFSC, 2010, p. 25), o Ministério Público de
Santa Catarina, autor da ADIN n. 2008.145151-7, fundamentou o pedido de
reconhecimento de inconstitucionalidade de Lei Municipal que permitia o
policiamento ostensivo em relação à Guarda e a fiscalização do trânsito urbano
e do meio ambiente, com força no entendimento de que o "rol" do
artigo 144 da CR é taxativo. Assim o disse o Ministério Público, cujo excerto
do pedido inicial foi transcrito no item 03.01 da decisão. Com efeito, tal é o
caso dos autos, em que a atuação da Guarda Municipal foi ilegal, pois exerceu,
em primeiro lugar, policiamento ostensivo e vigilância da ordem pública.
Nessa senda,
a ineficiência do Estado na segurança pública não pode se sobrepujar ao Estado
Democrático de Direito. Vive-se sob o império do Direito e a competência
administrativa somente decorre de Lei. E, tal Lei tem a Constituição da
República como baluarte. Ocorre que num Estado Democrático de Direito, os
"fins" não podem justificar os "meios". Não fosse isso, não
haveria a proibição de utilização de provas ilícitas no ordenamento. Isso é
dizer o óbvio, novamente. Portanto, não é possível tolerar
inconstitucionalidades flagrantes, tais como a atuação da Guarda Municipal de
Florianópolis com atribuição das Polícias. Sublinhe-se que quando houver
flagrante se pode prender, como qualquer do povo. Não se pode é fazer "blitz",
mandar parar, fazer averiguações, porque tudo isso não lhes é autorizado pelo
Direito!
Discutir tal
alteração remete necessariamente à discussão sobre a delegabilidade ou não do
Poder de Polícia. Para citar novamente Thiago Augusto Vieira, em monografia
sobre o "Poder de polícia e os limites de atribuições das guardas
municipais" (Florianópolis, UFSC, 2010, p. 25), extrai-se, oportunamente,
a seguinte conclusão:
Diante do
exposto, em resumo, pode-se dizer que maior parte das posições doutrinárias e
jurisprudenciais continuam a assentar que o poder de polícia é indelegável, por
ser poder típico do Estado. Todavia, registra-se entendimentos contrários a
defenderem a delegabilidade do poder de polícia quando seu exercício
encontra-se nas modalidades do poder de gestão, quais sejam, o consentimento e
a fiscalização de polícia.
Nesse ponto,
existe posicionamento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC n.
2009/0035533-0) entendendo que a Guarda Municipal, ao realizar polícia
ostensiva (atribuição exclusiva da polícia militar, art. 144, § 5º, CR),
atuaria no permissivo elencado no artigo 301 do Código de Processo Penal –
"qualquer do povo poderá (...) prender qualquer que seja encontrado em
flagrante delito.". É de se registrar que tal entendimento, correto,
inclusive, não encontra respaldo no caso em concreto.
Isso porque
não havia qualquer estado de flagrância no momento em que a Guarda Municipal
passou a perseguir o veículo com os conduzidos. E mais: pronunciou ordem de
parada, sem, entretanto, ter competência para fazê-lo, atuando contra a lei e o
disposto na CR.
O guarda
municipal Rodrigo esclareceu:
(...) quando,
por volta das 0h30min, perceberam a movimentação suspeita de um veículo Seat
cordoba de cor cinza e placas ..., na Avenida Mauro Ramos no centro da cidade,
o qual ao perceber a presença da guarnição passou a realizar manobras bruscas e
tentar se distanciar da viatura; que a guarnição passou a acompanhá-lo quando
na Rua Silva Jardim foi solicitado ao condutor do referido veículo que encostasse
na via; que o condutor, aparentemente estacionava o carro quando um objeto foi
atirado para fora da janela do motorista e imediatamente o veículo arrancou
bruscamente tentando se evadir do local; que neste instante a guarnição
comunicou uma segunda viatura (VTR 106) que já os seguia para que recuperasse o
objeto dispensado pelos ocupantes do veículo e iniciou a perseguição durante
aproximadamente 500 metros até que o motorista decidiu finalmente foi forçado a
parar [sic] (...)
Frise-se que
o veículo conduzido por Carlos Eduardo de Souza passou em frente aos guardas
municipais, os quais – aí desnuda-se a típica realização de atos de polícia
militar – "julgaram" estarem os integrantes do veículo em
"atitude suspeita", passando a persegui-los. O próprio guarda
municipal esclarece que, percebendo atitude suspeita, passou a seguir o
veículo. Trata-se evidentemente de atividade típica da Polícia Militar –
prevenção da ordem pública – dado que não havia qualquer estado de flagrância.
Consequentemente, a ordem de parada foi ilegal.
No ponto,
Thiago Augusto Vieira (Florianópolis, UFSC, 2010, p. 60) cita excerto da
Apelação Criminal n. 1.270.983-9, de Santos, 4ª Turma, rel. Des. Marco Nahum,
da lavra do Desembargador Eduardo Pereira Santos Júnior, do Tribunal de Justiça
de São Paulo:
Na verdade, a
questão foi invertida, pois não houve a prisão em flagrante e depois a busca
pessoal com a apreensão da arma, mas, ao contrário, primeiro houve a revista
pessoal e apreensão da arma e, posteriormente, a prisão em flagrante, inclusive
porque nenhum dos guardas municipais perseguia o réu em razão da prática de
ilícito, mas apenas "desconfiaram" do mesmo
[sic] e em
razão de tal desconfiança houve a busca pessoal com apreensão da arma na
cintura daquele, que, então, gerou a prisão em flagrante do acusado por portar
ilegalmente arma de fogo.
"Dessa
forma, patente que a própria prisão em flagrante estava nula, já que decorrente
de diligência ilegal, qual seja, a busca pessoal no acusado por autoridade
incompetente, inclusive porque a prova obtida por meio de revista pessoal
realizada por guarda municipal é ilegítima, por ausência de autorização legal,
contaminando tudo que dela derivou. (grifei, sublinhei).
Mutatis
mutandis
, quando os
guardas municipais avistaram o veículo com quatro integrantes, não havia
qualquer delito flagrante. Apenas o fato de quatro homens estarem no interior
do automóvel, em subjetiva "atitude suspeita".
Ressalta-se
que tal informação é por demais relevante, pois somente foi verificada a
presença de delito quando os membros da Guarda Municipal passaram a agir como
polícia ostensiva, visualizando veículo suspeito e não comunicando incontinenti
a Polícia Militar. Ao contrário, os próprios agentes exerceram fiscalização e
efetuaram a abordagem do veículo. Dito em outras palavras: os guardas
municipais não viram qualquer crime em ação; somente quatro homens em um
veículo, à 00h30min.
Portanto, não
se diga que alguém "do povo", ao ver passar veículo com indivíduos em
atitude suspeita, pode persegui-lo e ordenar a parada do automóvel para
fiscalização. O que os guardas municipais fizeram foi fiscalização preventiva.
Na sequência, ante o ato de fiscalização, aí sim houve arma sendo dispensada.
Depois se deu o flagrante, mas a atuação já era totalmente ilegal.
Cabe aqui
mencionar a citação trazida por Thiago Augusto Vieira, na monografia acima já
citada (Florianópolis, UFSC, 2010, p. 32):
A primeira
condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito
administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em relação a
cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do cargo.
Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito. A
competência é, sempre, um elemento vinculado, objetivamente fixado pelo
legislador.
Verificando a
ilegalidade da atuação da Guarda Municipal em matéria de polícia ostensiva, o
juízo da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo (Autos n.
0004088-31.2009.4.03.6181), absolveu o acusado por conta da atuação da Guarda
Municipal.
É oportuna a
citação de parte da sentença:
Neste ponto é
que se deve fazer a ressalva relativa ao procedimento estatal adotado. É
notório que depois de mais de 20 anos da chamada "Constituição
Cidadã" em vigor, o Estado ainda não conseguiu, nem se esforça para tanto,
dar cumprimento aos direitos fundamentais nela assegurados. Conforme relatado
anteriormente, os fatos não ocorreram dentro de algum bem ou patrimônio
pertencente ao Município de Cotia. A Guarda Civil não tem atribuições para
realizar atos próprios da Polícia Militar, ou até mesmo da Polícia Civil. O
artigo 144, 8.º, da carta política confere as guardas municipais unicamente
poder de polícia atinente a proteção de seus bens, serviços e instalações. A
Guarda Municipal não tem o poder de realizar buscas pessoais em quem quer que
seja, ainda mais decorrentes de denúncia anônima noticiando a prática de
eventual crime. A ação dos guardas civis não pode ser chancelada pelo Poder
Judiciário. A prova produzida mediante ação abusiva do Estado deve ser, conforme
manda a Constituição Federal, declarada ilícita, nos termos do artigo 5.º,
inciso LVI, da Carta Magna. A apreensão das duas cédulas pelos guardas civis
foi ilegal. Neste aspecto, ante a ilicitude da prova, e considerando a ausência
de qualquer outra não contaminada por aquela, deve-se reconhecer a total
ausência de provas contra o acusado, até porque, recaindo a ilicitude na
própria prova material, a existência do crime pode ser completamente
desconsiderada nestes autos. Ainda que assim não fosse, sendo ilícita a
diligência realizada pela guarda civil, também o crime, no aspecto da autoria,
resta indemonstrado. Por fim, deve-se assinalar que as questões alusivas ao
erro de tipo e aplicação do princípio da insignificância ficam prejudicadas
ante o reconhecimento da ilicitude da prova. É de rigor a absolvição, tendo em
vista que, reconhecida a ilicitude da prova, não subsistem elementos de prova
da existência do fato. (grifei, sublinhei)
In casu
, admitir
prova obtida ilicitamente seria convalidar a atuação inconstitucional da Guarda
Municipal de Florianópolis como polícia ostensiva. Trata-se, pois, de vício
insanável, que atenta contra a Constituição da República, não obstante
entendimentos contrários que olvidam o papel de guardião da lei exercido pelo
Judiciário e pelo Ministério Público.
Revelada a
atuação inconstitucional e ilegal da Guarda Municipal, que exerceu fiscalização
(polícia ostensiva), nascedouro do flagrante que se lê integrando a denúncia
ofertada, verifica-se a ilegalidade da materialidade de delito obtida através
de tal atuação, a qual, não sendo de se obter por qualquer outro meio lícito,
nas circunstâncias demonstradas, é desconsiderada como prova do crime, o que
arrasta para o mesmo destino a autoria do delito.
Por tais
razões, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal,
REJEITO A DENÚNCIA de fls. II-VI, diante ausência de materialidade.
Expeçam-se
os alvarás de
soltura.
Publique-se.
Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, remetam-se cópias integrais ao Ministério
Público para apuração de eventual crime por parte dos guardas municipais.
Após,
arquivem-se.
Florianópolis
(SC), 11 de junho de 2012.
Alexandre
Morais da Rosa
Juiz de
Direito
___________________________________________________________
Publicado em 19 de
Junho de 2012, às 00h00min | Autor: Jairo Baluta - jbaluta@hotmail.com
GM não pode
exercer atribuições de segurança
Essa foi uma das mais lúcidas
interpretações ao art. 144 da Constituição Federal, dada pelo Juiz, Alexandre
Morais da Rosa, um dos mais respeitados juristas da atualidade
Essa foi uma das mais lúcidas interpretações ao art. 144 da Constituição
Federal, dada pelo Juiz, Alexandre Morais da Rosa, um dos mais respeitados
juristas da atualidade, ao rejeitar Denúncia oferecida pelo Ministério Público,
com base em procedimento investigativo gerado pela atuação da Guarda Municipal
em ação própria de polícia, tendo efetuado apreensão de arma e prisão em
flagrante, considerado ilegal. O fundamento da sentença, que deve servir de
exemplo para todos os Magistrados brasileiros, foi o de que as atividades de
polícia previstas na Constituição, se constitui em uma previsão “taxativa”,
implicando dizer, que somente às instituições policiais ali previstas cabe
exercê-las, decisão que se apoiou em precedente do STF (ADIN 2.827)
reconhecendo ser proibido a criação de órgãos de segurança pública paralelos,
que venham a desempenhar atividades atinentes à segurança pública, não se
podendo tolerar a atuação da Guarda Municipal em exercício de polícia ostensiva
(civil) ou preventiva (militar), sob pena de violação da previsão
constitucional contida no artigo mencionado. Ao afastar o inquérito policial
como base da acusação e da prisão, determinando a soltura dos envolvidos,
consignou o Juiz sentenciante que, “Admitir prova obtida ilicitamente seria
convalidar a atuação inconstitucional da Guarda Municipal como polícia
ostensiva. Trata-se, pois, de vício insanável, que atenta contra a Constituição
da República, não obstante entendimentos contrários que olvidam o papel de
guardião da lei exercido pelo Judiciário e pelo Ministério Público.
Revelada a atuação inconstitucional e ilegal da Guarda Municipal, que
exerceu fiscalização (polícia ostensiva), nascedouro do flagrante que se lê
integrando a denúncia ofertada, verifica-se a ilegalidade da materialidade de
delito obtida através de tal atuação, a qual, não sendo de se obter por
qualquer outro meio lícito, nas circunstâncias demonstradas, é desconsiderada
como prova do crime, o que arrasta para o mesmo destino a autoria do delito.”
Está aí um salutar recado para que cessem os excessos na atuação dos
integrantes da Guarda Municipal de todos os municípios, os quais, ao se
comportarem como policiais (ao invés de protegerem o patrimônio público), estão
na verdade, prestando um desserviço à segurança pública, visto que seus atos
podem levar à ilicitude das provas em um processo criminal, importando na
ausência de punição dos infratores. Melhor deixar aos nossos policiais
militares e civis, constitucionalmente autorizados, o exercício dos atos de
segurança dentro dos limites das funções que integram o “poder de polícia”.
Uma ofensa a Nação Azul Marinho! Se um Juiz sofrer um assalto, e um guarda municipal prender o assaltante ele vai soltar o criminoso e mandar prender o guarda? Se alguém agredir, matar, roubar uma pessoa, não poderemos prende-lo, então responderemos por omissão, mas se agirmos poderemos ser punidos? Respondam as perguntas grandes advogados que apoiaram a decisão do Juiz. Já sei podemos ligar para a polícia, mas será que o bandido espera ela chegar?
ResponderExcluirParabéns, Inspetor Frederico! Perfeito.