Número do processo: 1.0000.08.479114-4/000(1)
Númeração Única: 4791144-31.2008.8.13.0000
Acórdão Indexado!
Relator: ALVIMAR DE ÁVILA
Relator do Acórdão: RONEY OLIVEIRA
Data do Julgamento: 13/01/2010
Data da Publicação: 12/03/2010
Inteiro Teor:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI E DECRETO MUNICIPAIS. GUARDA MUNICIPAL. PODER DE ATUAÇÃO. POLICIAMENTO DO TRÂNSITO E IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA AOS INFRATORES. POSSIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Em consonância com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, o Município detém competência para coibir o estacionamento em locais proibidos, inclusive com competência para impor multas, ou seja, sanção pecuniária de caráter administrativo. 2. Não basta só a FISCALIZAÇÃO: uma FISCALIZAÇÃO sem sanção não significa nada; do contrário. Ela nem precisaria existir. 3. Desta forma, a aprovação do projeto de Lei pelo legislativo local, sancionado pelo Prefeito MUNICIPAL, vem apenas atender a uma realidade do Município de Belo Horizonte. 4. Representação julgada improcedente.
V.V.P.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI E DECRETO MUNICIPAIS - ATUAÇÃO DA GUARDA MUNICIPAL NA FISCALIZAÇÃO, NO CONTROLE E NA ORIENTAÇÃO DO TRÂNSITO E DO TRÁFEGO - PROTEÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERESSE LOCAL - PODER DE AUTUAÇÃO - INTERPRETAÇÃO INCABÍVEL DA LEI - DECLARAÇÃO PARCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO. É admissível o exercício, pelo Município, da atividade de FISCALIZAÇÃO, controle e orientação de trânsito em seu território, vez que se trata de serviço de interesse local, com previsão no art. 30, incisos I e V, da Constituição da República de 1988. Na área de sua jurisdição, na organização do serviço local de trânsito, o Município tem competência para constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens e serviços, em observância ao disposto no art. 144, § 8º, da Constituição da República de 1988 e no art. 138 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Todavia, a interpretação que atribui o PODER de autuação à GUARDA MUNICIPAL é incompatív! el com as normas constitucionais, por usurpação da competência da Polícia Militar como polícia ostensiva de trânsito urbano (art. 142, inciso I, da CEMG), devendo ser afastada, pela declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, técnica de decisão compatível com o princípio de preservação das leis.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1.0000.08.479114-4/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REQUERENTE(S): PG JUSTIÇA - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUN BELO HORIZONTE, CÂMARA MUNICIPAL BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda a CORTE SUPERIOR do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador SÉRGIO RESENDE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO, POR MAIORIA.
Belo Horizonte, 13 de janeiro de 2010.
DES. ALVIMAR DE ÁVILA - Relator vencido parcialmente.
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14/10/2009
CORTE SUPERIOR
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.08.479114-4/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REQUERENTE(S): PG JUSTIÇA - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUN BELO HORIZONTE, CÂMARA MUNICIPAL BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA
Proferiram sustentações orais, pela Requerente Procuradoria-Geral de Justiça, o Dr. Geraldo Flávio Vasques e, pelo Requerido, o Dr. Marco Antônio de Rezende Teixeira.
O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:
Sr. Presidente, demais Colegas integrantes desta Corte.
Ouvi, com a atenção de sempre, as manifestações do ilustre Representante da Procuradoria-Geral de Justiça e, em seguida, do ilustre Dr. Marco Antônio de Rezende Teixeira, culto Procurador do Município de Belo Horizonte, que expôs de maneira sucinta as pretensões do município em relação ao fato submetido a julgamento.
VOTO
Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais em face do inciso VI do art. 5º da Lei MUNICIPAL n. 9.319/2007, que institui o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, e do Decreto n. 12.615/2007, que o regulamenta, ambos do Município de Belo Horizonte (f. 30/62).
O requerente, em suas razões (f. 02/29), sustenta que os textos legais hostilizados padecem do vício da inconstitucionalidade material, visto que malferem os artigos 37 e 144 § 8º da Constituição da República, e 13, 138 e 142, inciso I, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Argumenta que a criação da GUARDA MUNICIPAL é taxativa e restringe a sua competência à proteção patrimonial, não figurando entre as suas atribuições o policiamento do trânsito em geral ou a autuação de condutores e lançamento de multas. Ressalta que tais atos competem à Polícia Militar, nos termos do art. 142, inciso I, da Constituição Mineira, responsável pelo policiamento ostensivo de trânsito. Assevera que já existe em Belo Horizonte uma entidade executiva MUNICIPAL de trânsito, a BHtrans, devidamente integrada ao Sistema Nacional de Trânsito, pelo que a imposição à GUARDA MUNICIPAL dessa mesma atribuição malfere o princípio da eficiência da Administração Pública.
Por fim, o requerente pugna pelo deferimento de liminar, para a suspensão dos efeitos produzidos pelos dispositivos impugnados e, ao final, pela declaração de inconstitucionalidade do inciso VI do art. 5º da Lei n. 9.319/2007 e do Decreto n. 12.615/2007, do Município de Belo Horizonte.
A representação foi recebida, com o indeferimento da liminar pleiteada e a notificação dos requeridos para prestarem informações (f. 70/71).
A Câmara MUNICIPAL de Belo Horizonte manifestou-se às f. 80/91, argüindo preliminares de inépcia da petição inicial, por equívoco no apontamento do dispositivo legal acoimado de inconstitucional, e ilegitimidade passiva, uma vez que apenas exerceu sua atribuição constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local, sendo que a ação deveria ter sido dirigida exclusivamente em face do Executivo MUNICIPAL. No mérito, afirma que as normas impugnadas não prevêem a autuação ou lançamento de multas pela GUARDA MUNICIPAL, mas apenas o trabalho de orientação e educação de trânsito, o que se consubstancia em proteção a bem MUNICIPAL, conforme autorizado pelo art. 144, § 8º, da Constituição da República de 1988. Por fim, requer a improcedência do pedido inicial. Junta documentos de f. 92/121.
Por sua vez, o Município de Belo Horizonte também prestou informações (f. 123/129), no sentido de que a natureza e a essencialidade do serviço de transporte e trânsito para a coletividade o caracterizam como atividade submetida ao regime público, de interesse local, cuja organização e prestação foram conferidas aos Municípios pelo art. 30, inciso V, da Constituição da República de 1988. Ressalta que a atividade exercida pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte está relacionada à FISCALIZAÇÃO e aplicação das normas de trânsito e não à criação dessas regras, e não pretende usurpar a competência da Polícia Militar. Sustenta que os dispositivos impugnados estão em consonância com a Constituição da República de 1988, a Constituição Estadual e o Código de Trânsito brasileiro. Aduz que não prospera a alegação de incompetência da GUARDA MUNICIPAL para o exercício do policiamento, da FISCALIZAÇÃO e da aplicação de penalidades de trânsito, pois essas atribuições decorrem de delegação l! egítima do Município. Finalmente, requer a improcedência do pedido inicial.
O Ministério Público de Minas Gerais, através de sua Coordenadoria de Controle de Constitucionalidade, pugnou pelo aditamento da petição inicial (f. 134/135), deferido através da decisão de f. 137/138, bem como pela reconsideração da decisão que indeferiu o pedido liminar, o que foi negado na mesma oportunidade.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às f. 143/164, opinando pela rejeição das preliminares argüidas pela Câmara MUNICIPAL e, no mérito, pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos atacados.
Após novo pedido de reconsideração formulado pelo douto Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais (f. 181/185), o eminente Desembargador 1º Revisor, em virtude das férias deste Relator, analisou e deferiu o pedido, ad referendum desta Corte Superior, para suspender a eficácia do Decreto MUNICIPAL n. 12.615/2007 e do art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL n. 9.319/2007, até o julgamento final desta ação.
Por fim, o Município de Belo Horizonte - MG apresentou memoriais de f. 202/204, e aviou agravo regimental contra o deferimento do pedido liminar (f. 206/211), sendo certo que a r. decisão agravada foi mantida pelo e. Desembargador que a concedeu (f. 213).
É o relatório.
Passo à análise.
Em sede de preliminar, alega a Câmara MUNICIPAL de Belo Horizonte a inépcia da petição inicial e a sua ilegitimidade passiva ad causam.
Alega a requerida que a inicial é inepta, por indicar de forma equivocada o dispositivo legal acoimado de ilegal como sendo o inciso IV do art. 5º da Lei 9.319/2007, enquanto a norma referente à matéria discutida encontra previsão no inciso VI, do mesmo artigo.
Contudo, ressalto que tal questão restou ultrapassada, diante do deferimento do pedido formulado pelo requerente de aditamento da peça inaugural (f. 134/135), pela decisão de f. 137/138. Naquela oportunidade, consignou-se que o equívoco apresentado quanto ao inciso impugnado não trouxe qualquer prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa pelos requeridos, devendo-se privilegiar o princípio da máxima efetividade do processo, mormente quando se discute assunto de interesse público primário.
Assim, reiterando as razões expendidas na decisão de f. 137/138, rejeito a preliminar de inépcia da inicial argüida pela primeira requerida.
Suscita a requerida, ainda, preliminar de sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o fundamento de que apenas exerceu sua atribuição constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local, sendo que a ação deveria ter sido dirigida exclusivamente em face do Executivo MUNICIPAL.
Ocorre que a legitimidade passiva para a causa refere-se à pertinência subjetiva da requerida em relação à matéria articulada na petição inicial, aferida em abstrato.
Tratando-se a presente representação de discussão quanto à constitucionalidade de lei MUNICIPAL e do decreto que a regulamenta, em que houve a atuação concorrente da Câmara MUNICIPAL em sua edição, evidente se mostra a sua legitimidade passiva, como se infere do seguinte julgado do colendo Supremo Tribunal Federal:
\"Não colhe, igualmente, a alegação de ilegitimidade passiva \'ad causam\', pois a Câmara Distrital, como órgão, de que emanou o ato normativo impugnado, deve prestar informações no processo da A.D.I., nos termos dos artigos 6 e 10 da Lei n 9.868, de 10.11.1999.\" (STF, ADI 2448 MC/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 01.02.2002).
Assim, rejeito também essa preliminar argüida pela requerida e passo ao exame do mérito da presente representação.
O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:
De acordo.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
De acordo.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
De acordo.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:
De acordo.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
De acordo.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
De acordo.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
De acordo.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
De acordo.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
De acordo.
O SR. DES. JARBAS LADEIRA:
De acordo.
O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:
De acordo.
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
De acordo.
O SR. DES. GERALDO AUGUSTO:
De acordo.
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:
De acordo.
O SR. DES. ERNANE FIDÉLIS:
De acordo.
O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA:
De acordo.
O SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA:
De acordo.
O SR. DES. CLÁUDIO COSTA:
De acordo.
A SRª. DESª.VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:
De acordo.
O SR. DES. ARMANDO FREIRE:
De acordo.
O SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS:
De acordo.
O SR. DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA:
De acordo.
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
De acordo.
O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:
VOTO
O douto Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais ajuizou a presente ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade do inciso VI, do art. 5º, da Lei MUNICIPAL n. 9.319/2007, que institui o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, e do Decreto n. 12.615/2007, que o regulamentou, que possuem o seguinte teor:
Lei MUNICIPAL n. 9.319/2007:
Art. 5º - Compete à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte:
[...]
VI - atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito;
[...].
Decreto n. 12.615/2007:
Art. 1º - Por força do disposto no inciso VI do art. 5º da Lei n. 9.319, de 19 de janeiro de 2007, a GUARDA MUNICIPAL fica designada para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, no âmbito do Município de Belo Horizonte, devendo anteriormente adotar as seguintes medidas:
I - separação de um contingente para o exercício concomitante desta tarefa com as demais atribuições da GUARDA MUNICIPAL;
II - treinamento específico para realização desta função.
Art. 2º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Sustenta o requerente que os dispositivos supracitados apresentam vício de inconstitucionalidade, por violarem o disposto nos artigos 37 e 144, § 8º, da Constituição da República de 1988, bem como nos artigos 13, 138 e 142, inciso I, da Constituição do Estado Minas Gerais, ao atribuírem à GUARDA MUNICIPAL competência para o policiamento do trânsito em geral ou a autuação de condutores e lançamento de multas.
Contudo, entendo ser admissível o exercício, pelo Município, da atividade de FISCALIZAÇÃO, controle e orientação de trânsito em seu território, vez que se trata de assunto de interesse local, com previsão no art. 30, inciso I, da Constituição da República de 1988.
Nesse sentido já se manifestou o Excelso Pretório:
\"Competência do Município para proibir o estacionamento de veículos sobre calçadas, meios-fios, passeios, canteiros e áreas jardinadas, impondo multas aos infratores. Lei n. 10.328/87, do Município de São Paulo, SP. Exercício de competência própria - CF/67, art. 15, II, CF/88, art. 30, I - que reflete exercício do PODER de polícia do Município.\" (RE 191.363-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 3-11-98, DJ de 11-12-98).
De fato, na hipótese dos autos, verifico que ao designar a GUARDA MUNICIPAL para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, no âmbito do Município de Belo Horizonte, as normas impugnadas observaram o disposto no art. 144, § 8º, da Constituição da República, reproduzido no art. 138 da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Na área de sua jurisdição, na organização do serviço local de trânsito, o Município tem competência para constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus serviços, o que, ao contrário do que entende o requerente, representa, a meu ver, observância do princípio da eficiência previsto no art. 37 da CR/88 e no art. 13 da CEMG.
Vale destacar que, a princípio, os dispositivos ora impugnados não prevêem a possibilidade de autuação ou imposição e arrecadação de multas decorrentes de infração de trânsito, possuindo foco diverso, no sentido de orientação e apoio ao controle dos serviços públicos.
Com efeito, de acordo com o entendimento esposado pelo eminente Desembargador Edelberto Santiago quando da análise do pedido liminar (f. 70/71), verifico que a previsão legal refere-se à função exercida pelos membros da GUARDA MUNICIPAL em um sentido de colaboração, o que é corroborado pelos documentos de f. 171/173, em que o noticiário local destaca:
\"Desde agosto de 2008, 150 dos 1.960 guardas trabalham nas ruas em auxílio aos agentes da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHtrans) e à Polícia Militar. Eles orientam os condutores com o intuito principal de desobstruções dos cruzamentos.\" (Andréa Silva/EM, matéria \"GUARDA MUNICIPAL deve multar\", f. 171).
Dessa forma, não vejo como afastar o caráter de relevante interesse público local do serviço de controle e prestação de orientação no trânsito pela GUARDA MUNICIPAL, previsto na legislação ora impugnada, mormente quando é fato notório o caos em que tem se transformado o tráfego dos grandes centros urbanos, inclusive o de nossa Capital, agravado pelas recentes chuvas e demais intempéries.
Ora, é certo que, ao contribuir para a organização do tráfego urbano, a desobstrução de cruzamentos e a orientação de condutores, a GUARDA MUNICIPAL presta relevante serviço público de interesse local, em consonância com o disposto no art. 30, incisos I e V, da Constituição da República de 1988. Tal fato pode ser notado por todos aqueles que transitam por esta cidade e puderam testemunhar a relevante e eficiente atuação de seu efetivo nesse sentido até então.
Por outro lado, não se pode olvidar que a Administração Pública MUNICIPAL tem atribuído uma interpretação extensiva ao disposto no art. 5º, inciso VI, da Lei n. 9.319/2007 e ao Decreto n. 12.615/2007, no sentido de se alargar o PODER de atuação da GUARDA MUNICIPAL, inclusive com possibilidade de aplicação de multas e demais penalidades, como comprovado pelo Ministério Público estadual, com a colação dos documentos de f. 186/192.
Tal interpretação que atribui o PODER de autuação à GUARDA MUNICIPAL é incompatível com as normas constitucionais, por usurpação da competência da Polícia Militar como polícia ostensiva de trânsito urbano (art. 142, inciso I, da CEMG), devendo ser afastada.
Nesse contexto, em uma análise mais aprofundada da matéria e levando em conta os princípios de presunção de constitucionalidade das leis e de sua preservação no ordenamento jurídico, entendo que seria mais adequada ao caso a aplicação de uma técnica de decisão relativa à declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto.
A técnica proposta consiste em reduzir o âmbito de aplicação da legislação impugnada, para afastar a interpretação que permite a prática de polícia ostensiva de trânsito, mantendo, quanto à sua possibilidade de FISCALIZAÇÃO, apenas o sentido de atividade preventiva e acauteladora de eventuais danos que possam advir ao patrimônio e serviços de interesse local pela ação dos condutores no tráfego urbano.
Com esse entendimento, no meu singelo entender, será possível a preservação da atuação relevante e necessária da GUARDA MUNICIPAL na manutenção da organização do serviço público de trânsito local e, ao mesmo tempo, o afastamento da interpretação inconstitucional que a Administração Pública MUNICIPAL pretende dar à legislação impugnada.
Dessa forma, o pedido de declaração de inconstitucionalidade merece ser parcialmente acolhido, no sentido de afastar possibilidade de aplicação de multas e penalidades que ultrapassam o âmbito de competência da GUARDA MUNICIPAL, sem redução do texto da lei.
Pelo exposto, rejeito as preliminares e julgo parcialmente procedente a presente representação, para declarar a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei n. 9.319/2007 e do Decreto n. 12.615/2007, sem redução de seu texto, apenas para afastar a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
Custas ex lege.
O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:
Sr. Presidente.
Registro que ouvi, com toda atenção, ambas as sustentações orais que aqui foram elaboradas.
VOTO
Acompanho o voto condutor no que toca à rejeição das preliminares, bem como na solução meritória proposta (declaração parcial de inconstitucionalidade), todavia, discordo de sua Excelência em relação aos limites da decisão. Explico.
É que, como bem defendido na petição de ingresso e ratificado no voto antecedente, cabe à GUARDA MUNICIPAL, por prerrogativa constitucional, apenas e tão-somente proteger bens, serviços e instalações públicas (art. 144, 8º, CR/88 e art. 138, CEMG/89). À Polícia Militar, por sua vez, no âmbito estadual, fica à cargo da proteção exclusiva da segurança e da ordem públicas, nestas, vale dizer, esta expressamente compreendida a atuação ostensiva no trânsito urbano e rodoviário que vai desde ações preventivas, passando pela FISCALIZAÇÃO, e culminando, se necessário, na repressão.
Diante do exposto fica a questão: pode à GUARDA MUNICIPAL atuar no trânsito? A resposta para o questionamento é positiva, mas limitada aos preceitos constitucionais, atua, portanto, como coadjuvante junto aos legítimos detentores da competência nas atividades relacionadas ao trânsito.
Em sendo assim, cabe à GUARDA MUNICIPAL, se e quando criada, apenas interferir no trânsito nos restritos momentos em que houver necessidade de proteção a bens, serviços e instalações públicas, e não como órgão de coordenação, FISCALIZAÇÃO e mesmo repressão ao trafego e/ou aos atores nele envolvidos (condutores e pedestres). Como exemplo desta limitada atuação cito o desvio do tráfego e, também, orientação dos condutores no caso de obra em praça, prédio e até via pública.
A questão em debate já foi bem equacionada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A saber.
\"GUARDA-MUNICIPAL. Representação por Inconstitucionalidade. Indelegabilidade das funções de segurança publica e controle de transito, atividades próprias do PODER Publico. As atividades próprias do Estado são indelegáveis pois só´ diretamente ele as pode exercer; dentre elas se inserem o exercício do PODER de policia de segurança publica e o controle do transito de veículos, sendo este expressamente objeto de norma constitucional estadual que a atribui aos órgãos da administração direta que compõem o sistema de transito, dentre elas as Policias Rodoviárias (Federal e Estadual) e as Policias Militares Estaduais. Não tendo os Municípios PODER de Policia de Segurança Publica, as Guardas Municipais que criaram tem finalidade especifica - guardar os próprios dos Municípios (prédios de seu domínio, praças, etc) sendo inconstitucionais leis que lhes permitam exercer a atividade de segurança publica, mesmo sob a forma de Convênios. Pedido procedente\" (TJRJ, 2001.007.00070 - repres! . por inconstitucionalidade, DES. GAMA MALCHER, j.05/08/2002 - ORGÃO ESPECIAL).
\"Administrativo. Constitucional. Vistoria e licenciamento de veículo. Existência de multas anteriores, inclusive pela GUARDA MUNICIPAL. Pretensão de realização do ato sem pagamento daquelas e cancelamento das emitidas pela Municipalidade. Pagamento das multas no curso do feito. Extinção sem resolução do mérito quanto ao pedido de realização de vistoria e obtenção de licenciamento anual independentemente do pagamento daquelas e improcedência do pedido de anulação dos autos de infração aplicados pela GUARDA MUNICIPAL reputando válidas as autuações. Apelação. Atuação dos agentes municipais, em controle de trânsito reconhecido como violando o estatuto constitucional. Prevalência do art. 144, § 8º da carta política sobre a lei no. 9.503/97. Matéria decidida pelo Colendo Órgão Especial na representação por inconstitucionalidade no. 2001.007.00070. Lei MUNICIPAL 1.887/92 que autorizou a criação da GUARDA MUNICIPAL que deve se adequar ao comando constitucional. Precedentes deste Tr! ibunal de Justiça. Inviabilidade de exercício de PODER de polícia de trânsito por empregados públicos não regularmente investidos de função pública.Provimento do apelo, reconhecimento de nulidade das infrações de lavra da GUARDA MUNICIPAL e seus reflexos e modificação das verbas de sucumbência\" (TJRJ, 2007.001.24015 - apelação cível, JDS. DES. PEDRO FREIRE RAGUENET - Julgamento: 31/07/2007).
\"APELAÇÃO. AÇÃO VISANDO A ANULAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO, IMPUTANDO AO AUTOR TRANSPOSIÇÃO DE BLOQUEIO VIÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO AFASTADA PELA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA. CONDUTOR DO VEÍCULO QUE É POLICIAL MILITAR E NO DIA E HORA DA SUPOSTA INFRAÇÃO, ENCONTRAVA-SE PRESTANDO SERVIÇO NO VIGÉSIMO TERCEIRO BATALHÃO, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. ADEMAIS, A GUARDA MUNICIPAL NÃO PODE SER INVESTIDA DE PODER DE POLÍCIA DE TRÂNSITO, SENDO NULAS DE PLENO DIREITO AS MULTAS POR ELA APLICADA. PRECEDENTES DESTA EGRÉGIA CORTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE REFORMA PARA ANULAR O AUTO DE INFRAÇÃO, BEM COMO DETERMINAR O CANCELAMENTO DA PONTUAÇÃO NEGATIVA IMPOSTA. RECURSO PROVIDO\" (TJRJ, 2006.001.50281 - apelação cível, DES. LUIS FELIPE SALOMAO - Julgamento: 24/04/2007).
\"Duplo Grau de Jurisdição - Multa - Infração à Lei do Trânsito - Correta a sentença que dá pela nulidade de multa de trânsito, porque aplicada por pessoa que não ostenta as qualidades funcionais necessárias à legalidade do ato. Apenas os Guardas Municipais, regularmente nomeados, estão titulados à FISCALIZAÇÃO do cumprimento das regras do Cód. de Trânsito Brasileiro. Empregado celetista ao qual não se pode atribuir esta competência. Decisão confirmada\" (TJRJ, 2006.009.02103 - duplo grau obrigatório, DES. JAIR PONTES DE ALMEIDA - Julgamento: 12/04/2007).
No mesmo sentido foi elucidativo parecer nº. 1409/06 da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades que concluiu pela incompetência da GUARDA MUNICIPAL para atuar na FISCALIZAÇÃO de trânsito. Vejamos.
\"PARECER CONJUR/MCIDADES Nº 1409/2006
GUARDA MUNICIPAL - COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL: As guardas municipais são desprovidas de competência para atuar no campo da segurança publica, não podendo, pois, ser investidas de atribuições de natureza policial e de FISCALIZAÇÃO do trânsito. Sua atuação se restringe à proteção dos bens, serviço e instalações do entre MUNICIPAL (inteligência do art. 144, §8º, da CF/88). (Processo nº 80001.004367/2006-25)
Trata-se de exame de legalidade da atuação da GUARDA MUNICIPAL, referente a consulta formulada pela associação das guardas municipais do estado de São Paulo. A indagação circula em torno da competência da GUARDA MUNICIPAL na função de agente de trânsito. Os autos foram instruídos com vasta documentação referente a tema. A informação nº 020/2006/CGIJF/DENATRAN (cópia as fls. 112/115) noticia que a matéria já tramita há algum tempo perante o DENATRAN, obtendo pareceres que divergentes entra si. Pelo capacho de fl.120, a coordenação geral de instrumental jurídico e de FISCALIZAÇÃO determinou o apensamento dos presentes autos aos autos dos processos nº 80001.015031/2006-98; 80001.011467/2005-27; 80001.014211/2006-52, dando-se o respectivo desapensamento nos termos do DESPACHO CONJUR/MCIDADES nº2663/2006 (fls.153/154). É o relatório.
Consoante já anotado no relatório supra, cuida-se de exame de competência das guardas municipais, aí se incluindo a legitimidade para afirmar convênio com órgãos de trânsito para fins de FISCALIZAÇÃO. Observamos, inicialmente, que o sistema de repartição de competência adotado pelo nosso ordenamento jurídico segue o critério da predominância do interesse. Assim, as matérias pertinentes ao interesse nacional serão atribuídas ao órgão central, ficando reservadas aos estados membros e aos municípios as matérias relativas aos interesses regionais e locais, respectivamente. As competências, a teor do próprio texto constitucional, são ditas legislativa e administrativa. A legislativa se expressa no PODER de a entidade estabelecer normas gerais, enquanto a administrativa, ou material, cuida dos atos concretos do ente estatal, da atividade administrativa propriamente. Fincadas essas balizas preliminares, cabe atentar para o que estabelece a constituição federal na repartição da comp! etência dos entes federativos no tocante a segurança pública, tema no qual esta inserida a matéria ora em estudo, dispondo no seu art.144, caput, e §8º: ´Art.144. A segurança pública, dever do estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem publica e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Policia Ferroviária Federal e Policias civis Policias militares e corpos de Bombeiros militares (...) §8º - Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas a proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Os dispositivos acima estabelecem competência administrativa, ou seja. PODER para o exercício de certas atividades típicas do PODER publico. E como se vê, independentemente de se tratar de interesse local, regional ou nacional, o constituinte nominou expressamente aqueles entes a quem atribuiu as funções de segurança públicas não cons! tando entre eles o ente MUNICIPAL, cabendo acrescentar que o c! ritério do interesse local, inserto no art.30, inciso I, da CF, refere-se a competência legislativa do município. A inserção do município no contexto da segurança pública foi por restrita. Com efeito, atribuiu-lhe o constituinte, no parágrafo 8º, do art. 144, o PODER de constituir guardas municipais, mas cuidou em fechar o parêntese, estabelecendo que as atribuições destas, no campo material, ficariam limitadas a proteção dos bens, serviços e instalações da municipalidade, na forma da lei. O texto constitucional remeteu a matéria ao legislador ordinário, daria vida plena ao comando da norma. Mas a lei disporia apenas sobre os modos de execução e demais fatores relacionados as nuances administrativas, nunca ampliando o campo de atuação, para acrescentar competência que o constituinte não estabeleceu, como, por exemplo, inserido o município, por intermédio da sua GUARDA MUNICIPAL, no contexto da segurança publica. É claro que poderiam, a União, os Estados e os Municípios cuidar da seg! urança pública, conciliando as suas atribuições de acordo com o interesse verificado. Tal sistemática, alias, é noticiada no direito comparado, consistindo em prática recorrente em diversos países. Isto, por certo, nesses tempos de exacerbada violência urbana, receberia aplausos da sociedade brasileira. Poderíamos muito bem ter uma polícia federal, estadual e MUNICIPAL. Entretanto, definitivamente, esta não foi a vontade do constituinte. A inclusão da municipalidade no sistema nacional de trânsito, por intermédio dos seus órgãos e entidades executivas de trânsito, nos termos dos arts. 5º e 7º, da Lei nº 9.503/1997 (Código Brasileiro de Trânsito), apenas autoriza o município a atuar na condição de coadjuvante junto aos verdadeiros detentores da competência no cenário da segurança publica, nas atividades relacionadas ao trânsito. Não investiu o ente MUNICIPAL de competência para atuar na segurança pública, com poderes para os servidores de policia ostensiva, de preservação da! ordem pública, polícia judiciária e aplicação de sanções, por! quanto t al competência haveria que ter sido atribuída pela própria Constituição Federal, e isto efetivamente não se deu. Aliás, neste sentido vêm se posicionando diversos órgãos do nosso PODER judiciário, a exemplo do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo teor de decisão ora transcrevemos: \"As guardas municipais só podem existir se destinadas a proteção dos bens, serviços e instalações de municípios. Não lhes cabem, portanto, os serviços de policia ostensiva, de preservação da ordem pública, de policia judiciária e de apuração das infrações penais, essa competências foram essencialmente atribuídas a policia militar e a policia civil\" (TJPS - Acr 288.556-3- Indaiatuba -7ªC. Crim - Rel. Dês. Celso Limongi - J. 22.02.2000 - JURIS SINTASE, verbete 13044322). Por último, se não compete à GUARDA MUNICIPAL atuar na FISCALIZAÇÃO de trânsito, incluindo o procedimento relativo a atuação de condutores, pelos mesmos fundamentos também não detém legitimidade para firmar convênio com os órgãos! de trânsito para tal fim. Ante o exposto, manifesta-se esta consultoria jurídica, sob a baliza do disposto no conteúdo do art.l 144 da Constituição Federal, no sentido de que falece a GUARDA MUNICIPAL competência para atuar na FISCALIZAÇÃO de trânsito, incluindo o procedimento relativo a aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convenio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim. À consideração superior, com sugestão de restituição ao DENATRAN.
CLEMILTON DA SILVA BARROS
Advogado da União.
De acordo. Restituam-se os autos, como proposto, ao Departamento Nacional de Trânsito.
Ministério das Cidades, em 30 de novembro de 2006.
ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARVALHO
Consultora jurídica\".
Desta feita, valendo-me da mesma técnica lançada no voto condutor (declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto), afasto da legislação impugnada a interpretação que permite à GUARDA MUNICIPAL a atuação e aplicação de infrações administrativas (voto condutor), bem como toda e qualquer forma de intervenção, inclusive de FISCALIZAÇÃO livre, que não tenha como fim específico a proteção de bens, serviços e instalações públicas municipais.
É como voto.
Custa ex lege.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
Sr. Presidente.
Peço vista dos autos.
O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Gostaria de adiantar meu voto.
A princípio, estava em dúvida quanto ao cabimento ou não da disciplina que foi baixada pela Prefeitura, porque, na verdade, o dispositivo constitucional não pode ser entendido na contenção que sejam bens, serviços ou instalações, porque há bens imateriais e, às vezes, esses bens imateriais são mais significativos e mais importantes que aqueles que são visíveis e que devem ser preservados, porque fazem parte do patrimônio físico da Prefeitura.
Entretanto, ouvindo o voto do douto Relator, cheguei à conclusão de que a posição de S. Exª. é a que mais se ajusta ao texto constitucional, porque, na verdade, o Município tem um órgão direcionado para essa área de trânsito, que é a BHTRANS, que age segundo as regras do próprio Código de Trânsito, legislação básica MUNICIPAL.
A GUARDA MUNICIPAL não será diminuída, nem será desqualificada, nem se tornará ineficaz se a sua função for a de orientação do trânsito, pura e simplesmente, e, não, de imposição de multas.
Na verdade, vivemos um período realmente de assunção de PODER, e, às vezes, essa assunção é quase que absoluta e quase que absurda.
Estranhei que a Câmara MUNICIPAL tenha arguido a ilegitimidade passiva para a Ação Direta de Inconstitucionalidade, enquanto que, ao meu juízo, ela devia, realmente, chamar para si a responsabilidade de responder a ação, porque a função dela é legislar e, na medida em que o ato legislativo for aprovado com a sanção do Prefeito, ele não perde a origem que é a da representação popular. Assim, essa demissão da função precípua dela, que é a de legislar, pareceu-me conflitante, porque, além de disciplinar essa questão do trânsito, ela quer, também, ir além, impor multas, ao entendimento de que, não havendo sanção, não há como a lei ser aplicada. Entretanto, a própria Prefeitura, o próprio órgão específico para o trânsito, que é a BHTRANS, afirma e sustenta que a função do órgão não é multar, mas educar, e pode, então, a GUARDA MUNICIPAL exercer, perfeitamente, essa função, dispensada a aplicação de multa, motivo pelo qual entendo que o Relator apreendeu bem a norma constitucional! e deu à Prefeitura e à própria GUARDA MUNICIPAL a importância que elas merecem numa situação de tal natureza grave, como é a situação do trânsito que envolve, sobretudo, o bem estar da população, porque, hoje, vivemos todos em crise de identidade, numa reação quase sempre agitada e deseducada quando ocorre dificuldades no trânsito.
Assim, numa época em que estamos reclamando o assédio moral, em que estamos pedindo excelência no atendimento, é muito bom que a Prefeitura discipline a atividade da GUARDA MUNICIPAL, mas é muito bom, também, que ela se contenha nos limites que a legislação permite, que são aqueles que o próprio Código de Trânsito dispõe e que ela própria desenvolveu, através da criação da sua Companhia que cuida do trânsito na Capital.
Sou adepto do voto do Relator que, a meu juízo, não só bem aplicou a Constituição, mas, sobretudo, o fez de forma a dar o direcionamento à matéria que pode nos educar bastante na condução de veículos.
Acompanho o Relator.
O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também gostaria de adiantar o meu voto.
Com a devida vênia, acompanho os votos precedentes, com a modulação apresentada pelo eminente 1º Revisor, Des. Alexandre Victor de Carvalho.
Entendo que o § 8º do art. 144 da Constituição, ao anunciar que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, essa competência anunciada no preceito é insuscetível de ampliação. A Lei MUNICIPAL não pode alargar a atuação normativa insculpida na Constituição.
Com esse adminículo, acompanho, na íntegra o voto do Des. 1º Revisor.
O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:
Sr. Presidente, pela ordem.
Quero adiantar meu voto.
Em que pese os votos que me precederam, tenho entendimento em contrário.
A GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte foi instituída por força da necessidade histórica da realidade que envolve o Município de Belo Horizonte. O trânsito de BH é dos mais complexos do país, observando que em São Paulo e Rio de Janeiro a coisa é mais grave. Respeito e admiro a Polícia Militar, inclusive, há militares na Corregedoria-Geral de Justiça que procuram dar proteção aos magistrados em todo o Estado, como V. Exª bem o sabe, mas tenho para mim que a competência da GUARDA MUNICIPAL, para a FISCALIZAÇÃO e aplicação de sanções nos casos pecuniários e administrativos, não afronta nenhum dispositivo constitucional. Entendo que a realidade social se superpõe ao próprio ditame constitucional. Nem tudo é Constituição. A história é mais importante que qualquer normatividade jurídica, embora, obviamente, como juiz, tenho o dever de aplicá-la. Há precedentes em outros Estados da Federação que permitem, não só a FISCALIZAÇÃO, como, também, a imposição de multas pela GUARDA MUNICIP! AL. A GUARDA MUNICIPAL do Município de Belo Horizonte tem se pautado com dignidade, sem abusos e em nenhum momento entra em conflito com a gloriosa Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que o município tem competência para coibir o estacionamento em locais proibidos, inclusive, com a competência para impor multas, ou seja, sanção pecuniária de caráter administrativo.
A meu ver, a aprovação de projeto pela Câmara MUNICIPAL e a sanção do Prefeito MUNICIPAL vêm apenas atender a uma realidade social do Município de Belo Horizonte, cujo trânsito, repito, é dos mais complexos, como todos sabemos, principalmente nos dias de tempestade.
Sei que os votos que me precederam, inclusive o voto do Relator, Des. Alvimar de Ávila, meu ex-companheiro da 4ª Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada, é quase que irrespondível, entretanto, ouso dele divergir nesse aspecto, não obstante louve a atitude de S. Exª, apenas quanto à proibição de a GUARDA MUNICIPAL impor sanções pecuniárias aos infratores.
Conforme informações que recebi, a GUARDA MUNICIPAL veio, tão-somente, para coadjuvar a Polícia Militar na FISCALIZAÇÃO. Não basta só a FISCALIZAÇÃO: uma FISCALIZAÇÃO sem sanção não significa nada; do contrário, ela nem precisa existir.
Assim sendo, rogando vênia aos que votaram em sentido contrário, julgo improcedente a Representação.
O SR. DES. JARBAS LADEIRA:
VOTO
Com a devida vênia do eminente Relator, não vejo como inquinar de inconstitucional a permissão à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte de autuar veículos e aplicar multas no trânsito urbano da Capital.
O art. 280, § 4º, do Código de Trânsito Brasileiro, determina:
\"O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário, ou celetista, ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.\"
Assim, a competência para lavrar multas não é privativa de policial militar, estendendo-se a servidor civil, estatutário ou celetista, nos termos do CTB, em dispositivo que, até o momento, não foi inquinado de inconstitucionalidade.
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça tem decidido pela constitucionalidade da permissão da GUARDA MUNICIPAL de autuar e multar no trânsito local, conforme o permissivo do art. 30, I, da Constituição Federal.
No sentido acima, pude coletar os seguintes julgados:
TJSP - Apel. 541573.5/8, comarca de São Paulo; TJSP - 745.340.5/2, comarca de Araçatuba; TJSP - Apel. 880.994.5/1-00, São José do Rio Preto.
O próprio aresto do Excelso Pretório, citado pelo ilustre Relator, admite a competência do Município para proibir o estacionamento em locais proibidos, impondo multas aos infratores. Logo, não há como cercear o direito de aplicar multas, através da GUARDA MUNICIPAL, criada para cuidar de interesses locais, inclusive o trânsito.
Com estes fundamentos, reiterando o pedido de vênia, julgo improcedente o pedido inicial.
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
Sr. Presidente, pela ordem.
Peço vênia para adiantar o meu voto, uma vez que não tenho absoluta certeza se estarei aqui ou de férias na próxima reunião da Corte.
Ouvi, com atenção, todos os votos que me precederam até o momento, assim como ouvi as sustentações orais que foram produzidas, tanto pelo Ministério Público, quanto pelo Município de Belo Horizonte.
A questão, como se sabe, está limitada à análise da Constituição Mineira que, especificamente, a respeito do tema, no art. 171, afirma o seguinte:
\"Ao município compete legislar:
I- sobre assuntos de interesse local, notadamente
(...)
c- a polícia administrativa de interesse local, especialmente, em matéria de (...) trânsito e tráfico.\"
Então, há uma permissão expressa da Constituição Mineira para que o município legisle sobre trânsito e tráfico.
O art. 138 desta mesma Constituição faz remissão ao art. 144, § 8º, da Constituição Federal, mas este artigo apenas autoriza que os municípios possam instituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, obviamente, a lei MUNICIPAL.
Penso que entre os bens do município a que se refere o § 8º do art. 144 estão as ruas e praças, que são, como se sabe, de propriedade dos municípios, e, embora no Direito Administrativo encontre-se assentado que são bens de uso comum do povo, esse uso não exclui a propriedade.
Portanto, o município, ao legislar sobre trânsito e tráfico nas ruas da Capital, está legislando sobre seus próprios bens, que são as ruas e praças, consequentemente, não consigo, data venia, alcançar como se possa legislar sobre o trânsito e tráfico sem que se possa multar na forma permitida pelo art. 171 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Por outro lado, existe, também, como enfatizou o Des. Jarbas Ladeira, uma autorização expressa do Código de Trânsito, norma não declarada inconstitucional, para que servidores civis possam, em conjunto com a Polícia Militar, exercer essas mesmas atribuições de fiscalizar e de aplicar penalidades, seja por infrações de circulação, estacionamento ou paradas, tal como previsto no Código de Trânsito, no seu art. 124.
Por último, existe um precedente citado pelo eminente Des. Alvimar de Ávila, do RE 191 363, de que foi Relator o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, admitindo essa competência MUNICIPAL.
Então, peço vênia aos que têm entendimento contrário para também julgar improcedente a Representação.
O SR. DES. GERALDO AUGUSTO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Pedindo licença ao eminente Des. Roney Oliveira, que pediu vista, também gostaria de adiantar o voto, cumprimentando a brilhante explanação técnica trazida agora pelo colega Des. Wander Marotta.
VOTO
A matéria objeto da discussão trazida pelo Requerente embasa-se na suposta inconstitucionalidade do inciso VI, do art. 5º da Lei MUNICIPAL nº9.319/2007, a qual instituiu o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte e do Decreto nº12.615/2007 que a regulamenta.
O fundamento da alegada suposta inconstitucionalidade seria que a Administração pública tem atribuído interpretação extensiva ao referido dispositivo, alargando o PODER da GUARDA MUNICIPAL para permitir a aplicação de multas e demais penalidades e que tal estaria a representar usurpação da competência da Polícia Militar.
Diante disto, o Eminente Desembargador Relator, reduz o âmbito da aplicação da legislação impugnada para afastar a interpretação que permite a prática de polícia ostensiva de trânsito, mantendo, quanto à possibilidade de FISCALIZAÇÃO, \"apenas o sentido de atividade preventiva e acauteladora de eventuais danos que possam advir ao patrimônio e serviços de interesse local pela ação dos condutores no tráfego urbano\".
Quanto ao mérito, em que pese o respeito que se tem ao entendimento esposado pelo Eminente Desembargador Relator Des. Álvimar de Ávila, estou concluindo de modo distinto de sua Excelência, para julgar improcedente a pretensão declaratória de inconstitucionalidade da lei local em questão e cassação da medida liminarmente deferida.
De fato, inexiste inconstitucionalidade no exercício, pelo Município, da atividade de polícia de trânsito em seu território, desde que se trata de assunto de interesse local, com previsão no art. 30, I, da Constituição da República e observância do disposto no art. 144, §8º da CR/88 reproduzido no art. 138 da Constituição do Estado de Minas Gerais, sem qualquer afetação ou interferência na competência que detém o Ente Estadual, através da Polícia Militar.
Conforme se sabe as matérias de trânsito e tráfego admitem regulamentação nas esferas Federal, Estadual e MUNICIPAL cujos limites se estabelecem conforme a natureza do assunto a prover. À União, reservou-se a competência para legislar sobre trânsito e transporte (art.22,XI) e supletivamente, aos Estados, nos termos de lei complementar e, aos Municípios, cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de seu interesse local (CF, art. 30, I e V) e art. 171, I, \"c\", da Constituição do Estado de Minas Gerais que assim dispõe:
\"Art. 171 - Ao Município compete legislar:
I - Sobre assuntos de interesse local, notadamente:
(...)
c) a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, plantas e animais nocivos e logradouros públicos;\".
O Código de Trânsito Brasileiro enumera as várias competências \"aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição\" nos incisos I a XXI, do art. 24, dentre elas:
\"I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas trânsito, no âmbito de suas atribuições;
II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;
III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;
IV - coletar dados estatísticos e elaborar estudos sobre os acidentes de trânsito e suas causas;
V - estabelecer, em conjunto com os órgão de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a FISCALIZAÇÃO de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do PODER de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VllI - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar;
IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando as penalidades arrecadando as multas nele previstas;
X - implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;
XI - arrecadar valores provenientes de estada e remoção de veículos e objetos, e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas;
XII - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte de carga indivisível;
XIII - integrar-se a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito para fins de arrecadação e compensação de multas impostas na área de sua competência, com vistas à unificação do licenciamento, à simplificação e à celeridade das transferências de veículos e de prontuários dos condutores de uma para outra unidade da Federação;
XIV - implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;
XV - promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN;
XVI - planejar e implantar medidas para redução da circulação de veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a emissão global de poluentes;
XVII - registrar e licenciar, na forma da legislação, ciclomotores, veículos de tração e propulsão humana e de tração animal, fiscalizando, autuando, aplicando penalidades e arrecadando muitas decorrentes de infrações;
XVIII - conceder autorização para conduzir veículos de propulsão humana e de tração animal;
XIX - articular-se com os demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito no Estado, sob coordenação do respectivo CETRAN;
XX - fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de órgão ambiental local, quando solicitado;
XXI - vistoriar veículos que necessitem de autorização especial para transitar e estabelecer os requisitos técnicos a serem observados para a circulação desses veículos;\" (grifos nossos).
Como se vê, não há qualquer inconstitucionalidade na legislação MUNICIPAL no que concerne à compatibilidade com disposições constitucionais e especialmente, inexiste a suposta e alegada usurpação de competência da Polícia Militar, como polícia ostensiva de trânsito, mesmo porque, como visto, em tal matéria, admite-se a tríplice regulamentação.
Também não se observa a alegada extrapolação/afastamento da interpretação Constitucional quanto à possibilidade de aplicação de multas e penalidades pela GUARDA MUNICIPAL, na legislação em questão, cujo teor é o seguinte (Lei 9.319/2007, art. 5º, inciso VI):
\"Art. 5º - Compete à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte:
(...)
VI - atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito\";
(...)
E o Decreto nº12.615/2007, estabelece:
\"Art. 1º - Por força do disposto no inciso VI do art. 5º da Lei 9.319, de 19 de janeiro de 2007, a GUARDA MUNICIPAL fica designada para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, no âmbito do Município de Belo Horizonte, devendo anteriormente adotar as seguintes medidas:
I - separação de um contingente para o exercício concomitante desta tarefa com as demais atribuições da GUARDA MUNICIPAL;
II - Treinamento específico para realização desta função\".
Ora, a questão tratada na Lei MUNICIPAL, e regulamentada pelo Decreto em discussão refere-se especificamente ao PODER de atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, não podendo ser afastada a possibilidade de autuação e aplicação de multas pelas infrações administrativas verificadas, sob pena de se tornar inane o PODER de Polícia, que tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, como a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade, esta última, sem a qual não teria qualquer força.
Esclarece a doutrina que a \"FISCALIZAÇÃO é outro meio de atuação do PODER de polícia sobre as atividades e bens sujeitos ao controle administrativo. Essa FISCALIZAÇÃO restringe-se à verificação da normalidade do uso do bem ou do exercício da atividade policiada em face das normas legais e regulamentares que os regem. Deparando irregularidade ou ilegalidade reprimível pela Administração, o órgão fiscalizador deverá advertir verbalmente o infrator ou lavrar desde logo o auto de infração, cominando-lhe a penalidade cabível, sempre com oportunidade de defesa no processo administrativo correspondente, sob pena de nulidade da sanção...\" (PODER de Polícia do Município, Direito MUNICIPAL Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, 13ª edição, atualizada p. 458 e ss).
As sanções impostas e executadas pela administração além de compatíveis com as exigências do interesse público/social são inerentes ao PODER de polícia; é de interesse local e não se distancia das normas expedidas pela União e Estado; pelo contrário, encontram-se em sintonia e lhes garante a desejada eficácia.
Com tais razões, pedindo vênia ao Eminente Relator, estou julgando improcedente a presente ação e revogando a liminar.
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:
Sr. Presidente, pela ordem.
Pedindo vênia ao em. Des. Roney Oliveira, também pretendo adiantar o meu voto, registrando que ouvi, com atenção, as duas excelentes sustentações orais que foram produzidas nesta tarde.
Entendo que duas são as questões que merecem abordagem, ficando estritamente no exame da constitucionalidade da norma legal local questionada. O primeiro aspecto é se o município, ao instituir sua GUARDA MUNICIPAL, poderia legislar sobre a FISCALIZAÇÃO de trânsito e tráfico, e a segunda questão, secundária, se teria, neste PODER de polícia, a GUARDA MUNICIPAL atribuições para elaborar autuações.
Conforme lembrou o em. Des. Wander Marotta, o art. 138 da Constituição Mineira praticamente repete redação que consta da Constituição da República, art. 144, § 8º, que dispõe que o município pode constituir guardas municipais para proteção de seus bens, serviços e instalações. O mencionado art. 144 está incluído no capítulo relativo à segurança pública, do mesmo modo que o art. 138 da Constituição Mineira está na Sub-Seção II da Segurança Pública. Não há dúvida de que a GUARDA MUNICIPAL pode ser instituída ou constituída, como está redigido na norma constitucional, para proteção dos bens, serviços e instalações municipais. Ora, o art. 99 do vigente Código Civil dispõe claramente que os bens públicos são de uso comum do povo, de uso especial ou dominicais. Nem a Constituição Estadual, nem a Constituição da República fazem restrição à natureza do bem quando se refere à GUARDA MUNICIPAL. Não diz, por exemplo, que a GUARDA MUNICIPAL foi criada para proteger bens de uso especial ! ou dominical, diz apenas bens, portanto, abrangendo, entendo também os bens públicos de uso comum do povo.
Como o Des. Roney Oliveira acaba de lembrar, está expresso no art. 99, inciso I, do Código Civil, as ruas, praças, avenidas e congêneres; vias de circulação são bens de uso comum do povo, bens que podemos utilizar na condição de pedestre, mas, também, na condição de motorista. Quando eu, motorista, circulo com o meu veículo numa rua, estou utilizando um bem de uso comum do povo MUNICIPAL. Se circular numa rodovia estadual, estou utilizando um bem de uso comum estadual e se for rodovia federal, estou utilizando um bem de uso comum do povo de propriedade da União.
Ora, quem, nas vias urbanas, passa a circular com veículos, sejam automotores ou não, e, aí, temos carroças, bicicletas, como os não motorizados, insisto, está utilizando um bem de uso comum do povo, e o art. 171 da Constituição Mineira vai dispor que
\"Ao município compete legislar:
I- sobre assuntos de interesse local, notadamente
(...)
c- a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfico, plantas e animais nocivos e logradouros públicos.\"
Então, não há dúvida, no meu entender, de que o Município tem, sim, competência para legislar sobre trânsito e tráfego nas vias públicas municipais e atribuir à GUARDA MUNICIPAL a FISCALIZAÇÃO e a proteção desses bens.
Quanto ao segundo aspecto, se a GUARDA MUNICIPAL pode ou não autuar por infração de trânsito, entendo que a norma, como regra de comportamento humano, só é norma jurídica se houver sanção, fora isto é dano moral. Ora, atribuir ao Município a competência para criar GUARDA MUNICIPAL destinada à proteção de bens, mas não atribuir a ela atribuição de aplicar sanção para os infratores, fica, realmente, meramente decorativa.
Então, pedindo vênia ao eminente Relator, entendo que não há inconstitucionalidade alguma na norma local e, com isto, julgo improcedente, na integralidade, a representação.
É como voto.
O SR. DES. ERNANE FIDÉLIS:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também peço vênia ao eminente Des. Roney Oliveira para adiantar o meu voto, mesmo porque tenho receio, até, de me aposentar em maio e esse processo não chegar até mim para que possa votar, tais os constantes adiamentos que temos na Justiça, embora pouco tenho a acrescentar naquilo que foi dito, apenas gostaria de externar o meu pensamento.
Pelo que verifiquei, existem duas posições que se identificam: a posição do Des. Alexandre Victor de Carvalho e a do Des. Alvimar de Ávila, porque eles entendem que não há possibilidade de haver autuação e efetiva FISCALIZAÇÃO sancionatária, sem esse tipo de FISCALIZAÇÃO, porque fiscaliza-se, mas não multa. Penso que esse é o entendimento de uma primeira corrente, e a segunda corrente é aquela que diz que o Município está plenamente lícito, não apenas fiscalizar, mas também exercer a FISCALIZAÇÃO da única forma possível, que é aquela lembrada pelo jurista, Des. Caetano Levi Lopes, há pouco, de que não existe norma jurídica sem sanção, ou ela se torna norma puramente de caráter ético. Evidentemente, se um GUARDA estiver no trânsito, com seu apito, dando ordem e etc, se ele não puder multar, haverá muitos motoristas que vão balançar as mãos para ele dizendo que ele não manda nada. Isso é evidente, é próprio da população e do ser humano.
O que ocorre, desculpem-me os senhores constitucionalistas presentes, se estou errado, é que, dentro desse critério de interpretação de normas e de vivência das normas jurídicas, passamos por um período longo de adaptação das normas constitucionais em vigor, das normas constitucionais de 1988, porque vínhamos de uma ditadura que utilizou com bastante rigor as instituições contrariamente às liberdades públicas. Então, acostumamo-nos com a Constituição de 88, de forma que, qualquer coisa, qualquer sinal encontrado em leis, em artigos, em decretos, lembrávamos da inconstitucionalidade. Felizmente, isso está terminando, porque a Constituição não pode ser tão restritiva.
O caso que estamos julgando, aqui, por exemplo, se formos analisar sob um aspecto de ordem prática, exclusivamente, prática, sem legislação escrita, sem nada, poderíamos perguntar, será que não é útil a FISCALIZAÇÃO pelo município da sua cidade para organização do trânsito? Evidentemente, todo mundo seria capaz de responder que sim. Então, a questão fica, exclusivamente, no campo da literalidade das normas constitucionais e na das normas infraconstitucionais relativas ao assunto.
Preocupei-me, exclusivamente, depois do brilhante voto do Des. Alexandre Victor de Carvalho, em ir no ponto nevrálgico da questão, que é o art. 142, I, quando ele estabelece sobre o problema de alguns atos de competência da Polícia Militar. Na verdade, o que encontrei nesse inciso, quando diz que compete à Polícia Militar, e que o artigo está sendo parâmetro da inconstitucionalidade, \"a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário....\", quer dizer, polícia ostensiva de prevenção criminal, não falou preventiva e repressiva, e, desde que em outros momentos encontramos aquela possibilidade do município atuar no campo dos interesses locais, inclusive, no setor de trânsito, evidentemente, não podemos ignorar, e há possibilidade, sim, de uma FISCALIZAÇÃO nos moldes normais e legais do Código Nacional de Trânsito e que pode ser feito pela autoridade MUNICIPAL também. Acho que é apenas isso.
Na última Sessão da qual participei, fiquei vencido no julgamento do Município de Cabo Verde - onde há uma estação em que a Prefeitura houve por bem determinar a proibição do quadriciclo nas ruas da cidade, que é pequena, e que, realmente, representa um perigo à população - porque achava que, realmente, havia a possibilidade de haver essa disciplina pelo Município, e, aqui, também, existe essa possibilidade. E não há nenhuma proibição dentro da possibilidade de fiscalizar o trânsito: aplique-se as normas relacionadas com o Código Nacional de Trânsito.
Então, penso que qualquer cidade ganhará se aumentar, sensivelmente, o número de policiais para se evitar os absurdos que assistimos cotidianamente, não só no trânsito, mas em todos os setores de segurança pública, quer dizer, começamos o dia tendo notícia de desastres, homicídios, notícias desagradáveis, e a Polícia não tem condição de estar presente, a não ser se houver efetiva colaboração entre todos os órgãos do PODER para que esse policiamento seja, realmente, proveitoso e concreto.
Acho que dentro desse espírito constitucional, dentro daquilo que encontramos na organização da União, Estados e Municípios, não podemos negar absolutamente o PODER de polícia exercido nessa forma razoável, desde que haja uma restrição evidente e expressa à atividade policial de qualquer das entidades.
Por tais razões, pedindo vênia ao ilustres votos que me antecederam em sentido contrário, julgo improcedente a representação.
O SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também gostaria de adiantar o meu voto.
Estive atento às várias exposições dos eminentes Pares, bem como às exposições orais feitas da tribuna e faço uma breve e despretensiosa análise do caso, à luz do Direito Administrativo infraconstitucional.
O Direito Administrativo atribui a todo ato administrativo, de um modo geral, três atributos que lhe são inerentes: a presunção de legitimidade, a autoexecutoriedade e a necessidade de PODER discricionário para que a Administração possa cumprir o seu fim. Vestem em todo ato administrativo, qualquer que seja ele, com exceção, apenas, do ato de polícia, o qual estamos tão empenhados em destrinchar.
Vejamos, então, os atributos do ato de polícia, já que afirmamos que o ato administrativo, de um modo geral, tem aqueles três atributos, com exceção, apenas, do ato de polícia. Essa polícia é polícia no sentido genérico, é uma polícia que vela pelos bens, atividades, interesses públicos, direitos, patrimônios não aquilatáveis economicamente, como bem disse o eminente Des. Reynaldo Ximenes Carneiro.
O ato de polícia se destaca do ato administrativo, em geral, justo por um atributo que é este que, a meu sentir, coloca a questão de uma forma mais simplista. Assim me permito chamar de simplista uma questão dessa magnitude, mas temos a ciência, exatamente, para fazer dela as nossas premissas e extrair os nossos resultados.
O ato de polícia, então, no Direito Brasileiro tem três atributos que são: primeiro, a presunção de legitimidade de que goza todo ato administrativo; segundo, o que lhe dá o matiz de ato de polícia e, portanto, diferente dos demais atos, que é a coercibilidade e, depois, como todo ato administrativo, necessidade de PODER discricionário para que a administração possa atingir seus objetivos.
Então, o ato de polícia já é dotado dessa coercibilidade, que é, exatamente, o PODER de impor ao administrado uma determinada conduta. E é essa coercibilidade que dá, como disse ainda há pouco, o matiz, a tintura original e natural ao ato de polícia. Sabemos que disposições existem, que não têm nenhum efeito sancionatório, temos disposições enunciativas, até conceituais, e que, por isso, não deixam de ser legais.
Ato administrativo de polícia não temos meramente enunciativos e nem tampouco conceituais nem pragmáticos. Ele é coercitivo por excelência.
Então, isso já é da natureza, da índole do PODER de polícia, seja pela GUARDA MUNICIPAL, pelo agente sanitário, pelo médico da saúde pública, ao notificar uma doença que sabe-se de transmissão compulsória capaz de afetar a saúde pública.
Enfim, todos esses agentes, se pilhados numa determinada situação em que façam sobre eles incidir o ato de polícia, estão sujeitos à sanção, a essa coerção. Essa coerção nada mais é do que a sanção do Direito Penal, aqui para os penalistas - matar alguém: pena de 6 a 20 anos.
Então, no Direito Administrativo, admitimos essa coerção que não tem, às vezes, esse caráter de multa, mas tem caráter, às vezes, muito pior.
Temos a sanção coercitiva que, hoje, fecha o estabelecimento comercial, quando se põe à venda produtos imprestáveis ao consumo público. O oficial, o agente de saúde pública tem três opções a seu favor: ele pode escolher entre as três opções a que julgar mais conveniente ou a que melhor lhe aprouver ao caso em tela.
Então, ele pode multar, pode suspender as atividades por alguns dias, e pode, até, fechar. Essa questão da coercibilidade, o que quero com tudo isso dizer, é que estou entendendo que o Município pode, sim, exercitar o seu PODER de polícia, seja pela GUARDA MUNICIPAL, já instituída, já constituída, já institucionalizada, seja por pessoas a quem a lei confere competência, para fiscalizar, para impor o ato administrativo, porque, senão, nenhuma ação do PODER público vai ser aceita. Amanhã, chega o GUARDA MUNICIPAL para multar, e, aí, o cidadão pede, primeiro, para ver sua carteira de GUARDA, porque não sabe se é GUARDA ou se está fantasiado. Então, aí está a autoexecutoriedade. O sujeito primeiro cumpre e depois discute. A coercibilidade vem logo imediata, que é a de impor a ele aquela situação, \"você vai fazer isso, porque está sujeito a essa sanção\".
E, finalmente, a necessidade do PODER discricional, e que ninguém discute, porque, hoje, \"a administração brasileira se move à discrição\", que, às vezes, nem sempre fica contida nas raias da discrição, mas atrás da discrição se esconde as maiores torpezas. Mas isso não vem ao caso e, portanto, reafirmo, Sr. Presidente, com todo o respeito às opiniões encontradas, que, nesse caso, também desacolho a inconstitucionalidade suscitada.
É como voto.
A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:
Sr. Presidente, pela ordem.
Gostaria de adiantar o meu voto.
Os votos que me antecederam foram todos judiciosos e esgotaram o assunto, seja para julgar improcedente, seja para colocar aquela restrição contida no voto do eminente Relator e do não menos eminente 1º Revisor. Por isso, vou ser concisa, porque nada há mais a acrescentar.
Registro, apenas, que, no meu entendimento, não vejo nenhum óbice à sanção que se impõe, como meio necessário e coercitivo, para que a medida possa ser realmente implementada. Estou, assim, sem ver, sob à ótica da legalidade e da constitucionalidade, qualquer óbice, razão pela qual julgo também improcedente.
O SR. DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também gostaria de adiantar o meu voto.
Diante dos excelentes votos que me antecederam, especialmente aqueles que inauguraram a divergência, rogando vênia aos demais, acompanho o voto do eminente Des. Wander Marotta e, também, julgo improcedente a Representação.
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também gostaria de adiantar o meu voto.
Após ouvir os votos do eminente Relator, Revisor e dos demais, também julgo improcedente a ação.
SÚMULA: REJEITARAM AS PRELIMINARES, À UNANIMIDADE. DAVAM PROVIMENTO PARCIAL O RELATOR E O 1º REVISOR. PEDIU VISTA O DES. RONEY OLIVEIRA. EM ADIANTAMENTO DE VOTO, O DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO ACOMPANHOU O RELATOR, O DES. HERCULANO RODRIGUES ACOMPANHOU O 1º REVISOR. JULGARAM IMPROCEDENTE OS DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI, JARBAS LADEIRA, WANDER MAROTTA, GERALDO AUGUSTO, CAETANO LEVI LOPES, ERNANE FIDÉLIS, BELIZÁRIO DE LACERDA, VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA E BITENCOURT MARCONDES.
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28/10/2009
CORTE SUPERIOR
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.08.479114-4/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REQUERENTE(S): PG JUSTIÇA - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUN BELO HORIZONTE, CÂMARA MUNICIPAL BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA
Assistiram ao julgamento, pelo Município de Belo Horizonte, os Drs. Marco Antônio de Rezende Teixeira e James Henrique Souza Peixoto.
O SR. PRESIDENTE (DES. SÉRGIO RESENDE):
O julgamento deste feito, após rejeitadas as preliminares, à unanimidade, foi adiado na Sessão do dia 14.10.09, a pedido do Des. Roney Oliveira, depois de votarem dando provimento parcial o Relator e o 1º Revisor. Em adiantamento de voto, o Des. Reynaldo Ximenes Carneiro acompanhou o Relator, o Des. Herculano Rodrigues acompanhou o 1º Revisor.
Julgaram improcedente os Des. Célio César Paduani, Jarbas Ladeira, Wander Marotta, Geraldo Augusto, Caetano Levi Lopes, Ernane Fidélis, Belizário de Lacerda, Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Sebastião Pereira de Souza e Bitencourt Marcondes.
Com a palavra o Desembargador Roney Oliveira.
O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
VOTO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, manejada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais em face do inciso VI, do art. 5º da Lei MUNICIPAL n. 9.319, de 19 de janeiro de 2007, que instituiu a GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, e do Decreto n. 12.615, de 19 de janeiro de 2007, que a regulamenta, por suposto vício de inconstitucionalidade material, vez que a Constituição Mineira restringe a competência da GUARDA MUNICIPAL à proteção patrimonial, não figurando, entre suas atribuições, o policiamento do trânsito em geral nem a autuação de condutores e lançamentos de multas.
O em. Relator, Des. Alvimar de Ávila, acompanhado, em adiantamento de voto, pelo Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, acolheu, parcialmente, a Representação, para declarar a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei n. 9.319/07 e do Decreto n. 12.615/07, sem redução de seu texto, apenas para afastar a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
Acompanhando o em. Relator quanto à acolhida parcial da Representação sem redução de texto, votou o em. 1º Revisor, Des. Alexandre Victor de Carvalho, seguido pelo em. Des. Herculano Rodrigues, em adiantamento de voto, no sentido de afastar a legislação impugnada no tocante à interpretação que permite à GUARDA MUNICIPAL a autuação e aplicação de infrações administrativas, bem como toda e qualquer forma de intervenção, inclusive de FISCALIZAÇÃO livre, que não tenha como fim específico a proteção de bens, serviços e instalações públicas municipais.
Divergindo do posicionamento do em. Relator, julgaram improcedente a Representação os Des. Célio César Paduani, Jarbas Ladeira, Wander Marotta, Geraldo Augusto, Caetano Levi Lopes, Ernane Fidélis, Belizário de Lacerda, Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Sebastião Pereira de Souza e Bitencourt Marcondes.
Compulsando os autos, permissa venia do entendimento contrário, julgo improcedente a representação.
Como já ressaltado pelo ilustre Des. Geraldo Augusto, a matéria referente ao trânsito e tráfego de veículos automotores pelas vias terrestres admite tríplice regulamentação - federal, estadual e MUNICIPAL.
À União incumbe traçar as regras gerais e as diretrizes de trânsito e transporte (art. 22, inciso XI, CF), o que não afasta a competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em estabelecer e implantar uma política educacional para a segurança do trânsito (art. 23, inciso XII, CF). Assim, ao Estado-membro compete legislar sobre questões secundárias, pertinentes ao interesse regional, ao passo que ao Município compete cuidar das questões atinentes à organização de trânsito e tráfego de interesse local (art. 30, inciso I, CF).
Além da previsão da Carta da República, a Constituição Mineira, em seu art. 171, atribuiu competência ao Município para legislar sobre assuntos de interesse local, dentre os quais \"a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, plantas e animais nocivos e logradouros públicos (alínea \'c\')\" - grifo nosso.
Ainda, o Código de Trânsito Nacional trouxe previsão expressa, em seu art. 24, sobre a competência MUNICIPAL em matéria de trânsito, in verbis:
\"Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
(...)
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de policia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a FISCALIZAÇÃO de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do PODER de Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como notificar e arrecadar as multas que aplicar\".
Tais preceitos fixam competência para o exercício do PODER de polícia pelo Município, que, na forma da lei, poderá restringir, por meio de imposições, deveres ou abstenções, o exercício de direitos individuais, a fim de evitar comportamentos danosos à coletividade.
O art. 138, da Constituição Estadual de Minas Gerais, fazendo remissão ao art. 144, §8º, da Constituição Federal, previu a instituição da GUARDA MUNICIPAL, in verbis:
\"Art. 138 - O Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República.
Observa-se que o referido artigo, ao admitir a constituição de GUARDA MUNICIPAL para a proteção de bens, serviços e instalações municipais, não pretendeu restringir o âmbito de sua atuação apenas à esfera patrimonial, mas também à imaterial, que, no contexto em que foi inserida (segurança pública), engloba a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Ainda, ao dispor sobre proteção a bens, a norma constitucional, tal como apontado pelo ilustre Des. Caetano Levi Lopes, não estabeleceu limitação quanto à natureza dos bens, estando, portanto, nessa esfera de proteção atribuída à GUARDA MUNICIPAL, incluídos os bens de uso comum do povo, que, nos termos do art. 99, do Código Civil, seriam as ruas, praças, avenidas e congêneres.
Dentre os serviços de relevante interesse local atribuídos à competência do Município, encontra-se o controle do trânsito, que, embora exercido tradicionalmente pela Polícia Militar, passou a integrar, após a edição da Lei n. 9.319/07, a esfera de atuação da GUARDA MUNICIPAL, que, em ação conjunta com aquela polícia e com a BHTRANS, deverá zelar pela otimização da prestação desse serviço de tamanha importância para nossa comunidade.
Sobre a necessidade de criação da GUARDA MUNICIPAL para atuar na FISCALIZAÇÃO do trânsito e na autuação dos infratores, salientou o professor e magistrado Antônio Álvares da Silva, em seu trabalho jornalístico \"A GUARDA e a Multa\" (www.trt3.jus.br/download/artigos/pdf/157 GUARDA multa.pdf), in verbis:
\"A introdução da GM na FISCALIZAÇÃO do trânsito e na aplicação de penalidade aos violadores de suas normas é medida de grande acerto. Não é possível que os guardas, postados nas esquinas, assistam impassíveis às infrações e maluquices dos motoristas imprudentes e irresponsáveis, porque não têm permissão de agir. Isto contraria até mesmo o senso comum.
A GM é uma instituição bem treinada. Basta conversar com seus integrantes para perceber, de pronto, que estão aptos a lidar com o público. Têm tudo para exercer mais esta competência, com eficiência e êxito, principalmente quando se sabe que é notória a carência de pessoal na PM e na BHtrans para este propósito.
A GM não se deve deixar influenciar por uma frase de procedência duvidosa freqüentemente repetida de que \'multar não resolve\'. De fato, só a multa não resolve, mas é ela o único meio de evitar o caos e intimidar o motorista desordeiro e antissocial.
Cabe ao Estado fazer o resto: ampliar ruas e avenidas, construir viadutos e túneis, racionalizar o traçado da cidade e construir vias adequadas. Mas este é um trabalho de longo prazo. Até lá é preciso tomar medidas para que o trânsito funcione com os meios atuais que temos.
É de esperar que o Judiciário, sempre sensível aos problemas do povo, do qual, aliás, é parte, compreenda esta situação e se coloque ao lado da comunidade. Meras questões de competência não podem privar o cidadão de um serviço necessário a seu bem-estar.
A GM é bem-vinda para orientar, fiscalizar e, quando necessário, punir. Que cumpra com eficiência sua nova missão e ajude a melhorar o trânsito caótico de nossa cidade. (publicado no Jornal Hoje em Dia, 29/09/2009)
Nesse contexto, portanto, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade no art. 5º, da Lei MUNICIPAL n. 9.319/2007 e no Decreto n. 12.615/2007, posto que, ao instituir e regulamentar a GUARDA MUNICIPAL para atuar na FISCALIZAÇÃO, controle e orientação do trânsito e tráfego no âmbito do Município de Belo Horizonte, inclusive com função sancionatória, aquelas normas observaram rigorosamente o disposto no art. 144, §8º, da Carta da República, reproduzido no art. 138, da Constituição do Estado de Minas Gerais, além de se coadunarem, às inteiras, com o art. 280, §4º, do Código de Trânsito Brasileiro, reproduzido, com raro senso de oportunidade, no primoroso voto do Des. Jarbas Ladeira.
Pelo exposto e pedindo vênia ao entendimento esposado pelo ilustre Relator e por aqueles que o acompanharam, julgo improcedente o pedido contido na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.
É como voto.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
Sr. Presidente.
Peço vista dos autos.
O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Quero adiantar meu voto.
Estou de acordo com o voto do Des. Alexandre Victor de Carvalho.
O SR. DES. KILDARE CARVALHO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Quero adiantar meu voto.
VOTO
Coloco-me de acordo com o eminente Desembargador Relator, no sentido de julgar parcialmente procedente a presente ação direta e reconhecer a parcial inconstitucionalidade do art.5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº9.319/2007, bem como do Decreto nº12.165/2007, afastando a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
Com efeito, preceituam os arts. 138 e 171, I, \'c\' da Constituição Mineira:
\"Art.138 - O Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art.144, §8º, da Constituição da República.
Art.171 - Ao Município compete legislar:
I - sobre assuntos de interesse local, notadamente:
(...)
c) a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, plantas e animais nocivos e logradouros públicos;\".
Ao que se vê dos dispositivos constitucionais supratranscritos, é autorizado ao Município a instituição da GUARDA MUNICIPAL com função precípua de proteção de bens, serviços e instalações.
A atuação da GUARDA MUNICIPAL na FISCALIZAÇÃO, controle e orientação do trânsito e tráfego, por sua vez, insere-se em mencionado conceito, cuidando a lei impugnada justamente da competência para referida atividade de proteção.
Neste contexto, estamos diante de atividade de irrecusável interesse local, posto que somente ao Município será possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma cabível do exercício desta proteção aos bens, serviços e instalações municipais, inspirado sempre nos princípios constitucionais norteadores. Será legítima, assim, a atuação MUNICIPAL tendente a regularizar uma situação fática específica, típica, sobre a qual não poderia a União ter legislado de forma minudente.
Como bem observado pelo digno Relator, o relevante interesse local do serviço de controle e orientação do trânsito pela GUARDA MUNICIPAL encontra-se consubstanciado principalmente no fato de que \"é notório o caos em que tem se transformado o tráfego dos grandes centros urbanos, inclusive o de nossa Capital\".
O fato é que cada Município vive uma realidade distinta dentro do contexto de crise do transporte urbano e cabe a cada um deles regulamentá-la de acordo com o seu interesse local.
Todavia, o reconhecimento da possibilidade de atuação da GUARDA MUNICIPAL no auxílio ao controle do trânsito e tráfego no Município de Belo Horizonte não lhe confere o PODER de polícia propriamente dito, aquele ostensivo citado pelo art.142, I, da CEMG, e atribuído à Polícia Militar:
\"Art.142 - (omissis)
I - à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e a restauração da ordem pública, além da garantia do PODER de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;\" (grifei).
Destarte, a interpretação ampliativa que tem sido levada a efeito pelo Município do vocábulo \'FISCALIZAÇÃO\' contido no art.5º, VI, da indigitada Lei, de fato, deve nesta via ser coibida, sendo a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto a modalidade de decisão mais adequada neste cenário.
A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto \"significa reconhecer a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo sob algum aspecto, em dada situação, debaixo de determinada variante. A norma impugnada continua vigendo, na forma originária. O texto continua o mesmo, mas o Tribunal limita ou restringe a sua aplicação, não permitindo que ela incida nas situações determinadas, porque, nestas, há a inconstitucionalidade. Nas outras, não.\". (Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, Ed. DelRey, 2000).
À luz de tais ensinamentos, conclui-se que razão não há para que se declare a inconstitucionalidade total do art.5º, VI, da Lei nº9.319/2007, bem como do Decreto nº12.615/2007, bastando que nesta sede fixe o entendimento de que à GUARDA MUNICIPAL não é permitida a aplicação de multas e penalidades de trânsito, como procedido pelo digno Relator.
Feitas estas considerações, acompanho o eminente Desembargador Relator, e julgo parcialmente procedente a presente ação direta, reconhecendo a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, bem como do Decreto nº 12.165/2007, sem redução de texto, afastando a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA:
Sr. Presidente, pela ordem.
Também quero adiantar meu voto.
VOTO
Ponho-me de acordo com a rejeição das preliminares. No mérito, peço vênia para divergir da ótica e conclusão expendidas pelo eminente relator, quando julga procedente, em parte, a presente representação para declarar a inconstitucionalidade, parcial, do art. 5º, VI, da Lei nº 9.319/07 e do Decreto nº 12.615/07, fazendo-o apenas para afastar a possibilidade de autuação e aplicação de infrações de trânsito, pela recém criada GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
No caso, os judiciosos votos que me precederam, em igual divergência, expungem a quaestio, em prol dos requeridos. Com efeito, ex vi do art. 24, VI, do CTB (lei federal nº 9.503/97), \"Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição executar a FISCALIZAÇÃO de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do PODER de Polícia de Trânsito;
O texto é claro. Como já dito nos brilhantes votos anteriores, neste feito a norma se amarra à sanção. Isto é princípio Kelseniano, para quem a norma só se justifica na sanção, no que acrescento: sanção eficaz.
Não se compreenderia mesmo a interpretação, segundo a qual o PODER de fiscalizar não teria, como conseqüência, a seu reboque, o de punir.
Isto feriria, dentre o mais, os princípios, explícito (eficiência) e implícito (indisponibilidade do interesse público) que são cogentes na redação do art. 37 da CF/88.
Ainda do mesmo Código, seu art. 280, §4º, consigna que \"o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência\".
Da Lei MUNICIPAL nº 9.319/07 e do correspondente Decreto que a regulamenta (12.615/07), extrai-se a possibilidade do Município, dentro de sua perspectiva, legislar sobre polícia administrativa, de interesse local, incluindo-se, nela, matéria de trânsito e tráfego, não implicando isto em desvio de função dos guardas municipais. Ex vi dos arts. 30, I, da Constituição da República; 171, I, \"c\", da Constituição do Estado; e 24, I e VI, do Código de Trânsito Brasileiro, há uma simetria legal consagrando a constitucionalidade da norma em exame.
Pois, se próprio CTB conferiu ao Município a FISCALIZAÇÃO do cumprimento das normas de trânsito, dentro de seus limites territoriais, não se lhe há exigir a criação de estrutura específica para o atendimento dessa atribuição.
Destarte, reforça a constitucionalidade da questionada norma MUNICIPAL o disposto no §8º do art. 144, da Lei Maior, quando dispõe que \"os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei\".
Aliás, cabe trazer a lume, do brilhante artigo do ilustre Professor José Nilo de Castro, Presidente do Instituto de Direito MUNICIPAL, publicado no \"Estado de Minas\" de 24.10.2009, intitulado \"GUARDA POLÊMICA\", as oportunas lições, verbis: \"o trânsito e o tráfego nas vias municipais, notadamente no perímetro urbano, são exclusivamente da competência MUNICIPAL, cuja organização e execução se ordenam pelas leis locais, como a previsão e definição de infrações e de sanções aos infratores do trânsito e do tráfego municipais\".
Após destacar os arts. 18, 29, 30, I, II e V, todos da Constituição da República, o ilustre Professor aduz \"que o Município de Belo Horizonte criou a GUARDA MUNICIPAL, que tem previsão constitucional originária no universo competencial próprio. E, utilizando-se de sua competência constitucional, o município, por lei específica, conferiu a agentes da GUARDA MUNICIPAL, órgão de sua administração direta, o PODER de autoridade de trânsito, que ele, o município, detém explícita e implicitamente pela e na arquitetura constitucional. Reside aqui - nessa atribuição à GUARDA MUNICIPAL de atuar como autoridade de trânsito, sem se superpor aos agentes da BHTrans, mas em regime de colaboração - a materialização da previsão constitucional secundária no universo competencial MUNICIPAL. É espécie de técnica de cogestão de condutas e de atos administrativos, produto de diálogos iterativos e construtivos entre entidades públicas, que após modernidade estatal desenvolve e empolga. Por conseg! uinte, as competências municipais explícitas na área de trânsito e de tráfego são acrescidamente reconhecidas pelos feixes ou blocos de competências, difundidos implicitamente no ordenamento jurídico, decorrentes da aplicação do princípio da confluência de identidades e de compatibilidades da organização e da prestação de serviços públicos\".
E arremata dizendo que \"a Constituição da República e o CTB (artigos 24 e 25) asseguram aos municípios a competência para os serviços de trânsito e de tráfego municipais. Na mesma direção, porque ao município refoge a competência para cuidar da segurança pública e da polícia judiciária, essas atividades não poderiam ser conferidas à GUARDA MUNICIPAL (salvo leis e convênio com o Estado, art. 241 da CR). Por ter o município a competência constitucional e infraconstitucional plena para os serviços de trânsito e de tráfego, pode ele, por lei local específica, conferir a agentes municipais, mesmo com funções outras, condizentes, todavia, com o princípio da similaridade da natureza jurídica de suas respectivas atribuições, a condição de autoridade de trânsito, como fez o município belo-horizontino, legítima e constitucionalmente pela lei MUNICIPAL ora questionada pelo Ministério Público estadual\".
Com estes despretensiosos acréscimos, rogando vênia ao eminente relator e aos demais que o seguiram, julgo improcedente o pedido nesta fustigada representação.
É como voto.
O SR. DES. ARMANDO FREIRE:
Sr. Presidente, pela ordem.
Quero adiantar meu voto.
VOTO
Igualmente, rejeito as preliminares suscitadas.
Quanto ao mérito, exponho.
A historicidade do direito, citada em erudito voto precedente, de fato, deve contribuir para o julgamento desta ação, oferecendo-nos elementos interpretativos promotores de elevação de nossa consciência na apreciação da realidade nuclear e circundante que enfrentamos em relação aos fatos que envolvem o tema principal abordado na presente ação, o que inclui atenção ao conturbado trânsito em Belo Horizonte. Sob o enfoque do Direito Público, é inegável que o assunto abarca \"interesse local\" (art. 30, I, CRFB/88).
Não obstante a realidade que resta evidente aos nossos olhos (e volantes), embora seja sugestivo, não devemos apreciar e julgar o pedido com base nos reiterados dissabores que enfrentamos nas ruas, avenidas e cruzamentos desta Capital.
Os absurdos praticados pelos cada vez mais famosos (infelizmente) condutores de BH não devem revelar o que é ou o que deixa de ser assunto de \"interesse local\" (art. 30, I, CRFB/88) para decidirmos se a GUARDA MUNICIPAL deve ou não fiscalizar o trânsito, inclusive mediante autuações. O desrespeito às normas de trânsito deve, sim, estimular, sempre, o debate entre Executivo e Legislativo para que concluam, por exemplo, acerca da possibilidade ou não de se ampliar o efetivo da Polícia Militar (que detém a competência para fiscalizar o trânsito) e de outras formas possíveis e válidas para que se altere o horizonte que se apresenta.
Considero, com a devida venia, inconstitucional a interpretação ampliativa das normas contidas na Lei MUNICIPAL 9.319/07 e no Decreto nº 12.615/07 e que está sendo ora impugnada pelo Ministério Público. Interpretação essa que, de certa forma, vem transcendendo contornos criados pelo Sistema Nacional de Trânsito (e tráfego), mesmo diante da delimitada competência da GUARDA MUNICIPAL (\"proteção de seus bens, serviços e instalações\"). Vale dizer, por conta de possível interpretação das aludidas normas, a competência legislativa do Município sobre assuntos de interesse local e a competência administrativa da GUARDA MUNICIPAL para promover a proteção de seus bens, serviços e instalações não se atêm aos limites imaginados pelo constituinte.
Agora, eminentes Desembargadores, estamos decidindo se o GUARDA MUNICIPAL pode ou não substituir o Policial Militar (ou o agente da BHTRANS) na FISCALIZAÇÃO (lato senso) do trânsito em BH.
A propósito, não interessa, tecnicamente, ao julgamento atentar ao fato noticiado pela imprensa de que o Executivo pretende o efetivo cumprimento das normas ora questionadas pelo MP na consideração de que o Policial Militar sai mais caro aos cofres públicos do que o GUARDA MUNICIPAL. Ainda que o julgador deva ter noções de política, economia, finanças, realidade social e, no caso específico, dos dramas vividos pelos usuários das vias de BH, certo é que, o por quê de não se ampliar o quadro da PMMG, visando maior efetivo na FISCALIZAÇÃO do nosso trânsito, não deverá ser objeto do presente julgamento. Oficialmente, a questão é de cunho político e deverá ficar reservada às oportunas discussões no âmbito do Executivo e entre os Parlamentares.
Igualmente, não vem ao caso aprofundar na análise de notícia (ou opinião) veiculada por jornal de grande circulação no Estado segundo a qual o próprio Executivo já não estaria mais convicto da legitimidade do seu projeto de inserir o GUARDA MUNICIPAL na FISCALIZAÇÃO ostensiva do trânsito de BH ou, ainda, de notícia (ou opinião) segundo a qual muitos dos Parlamentares que contribuíram para a edição da norma questionada já teriam mudado seu pensamento. Inclusive, haveria um projeto de lei retirando o pretenso PODER dos Guardas Municipais de fiscalizar o trânsito.
Realmente, em termos de historicidade deste julgamento, pesa a opinião pública. E nós contribuímos com a construção das idéias e pensamentos atinentes ao tema, na medida em que também fazemos parte do público que opina.
Certo é que minha opinião pessoal (leia-se, \"minha insatisfação pessoal\") em relação às ações e omissões na organização e FISCALIZAÇÃO do trânsito de BH não poderia servir de \"fiel da balança\" em meu voto. Aliás, minha opinião não deve ser diferente de todos os demais cidadãos que utilizam as vias urbanas. De acordo com a opinião de muitos, quanto mais FISCALIZAÇÃO, melhor. Mesmo porque a cultura brasileira no trânsito não será mudada (para melhor) da noite para o dia. E nem de uma legislatura para outra.
Enfim, voto com base em leitura interpretativa que procurei fazer, conscientemente, após vários estudos, acerca do sistema constitucional em envolve os temas propostos na presente ação.
Pois bem.
Estabelece a Constituição da Republica Federativa do Brasil, promulgada em 1988, em seu artigo 144, que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, das Polícias Civis e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Prevê, no § 8º do mesmo artigo 144, que os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
O artigo 138 da Constituição do Estado de Minas Gerais reproduz a referida norma constitucional.
Por fim, a Lei Orgânica de Belo Horizonte estabelece, em seu artigo 12, XIV, que compete ao Município constituir GUARDA MUNICIPAL destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos da Constituição da República.
JOSÉ AFONSO DA SILVA registra:
\"Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia MUNICIPAL. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança e menos ainda de polícia judiciária\" (Curso de direito constitucional positivo. 22ª edição. Revista e atualizada até a EC nº 39, de 19.12.2002. Pág. 757 e 758). Original sem grifo.
A GUARDA MUNICIPAL, portanto, é órgão público destinado à segurança pública na parte em que diz respeito à proteção de bens, serviços e instalações no âmbito MUNICIPAL. Detém competência quanto à segurança nas áreas de atuação que lhe é atribuída, nos limites da lei.
Via presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, questiona-se a possível interpretação do artigo 5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007, que instituiu o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, bem como do Decreto MUNICIPAL nº 12.615/07, na parte em que regulamentou o impugnado inciso IV do artigo 5º da Lei MUNICIPAL 9.319/07 que autoriza a corporação a \"atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito\".
Observa-se que o texto não faz uso dos verbos \"multar\", \"autuar\", \"notificar\". Não obstante, questiona-se a possibilidade de a norma, mediante interpretação, permitir aos guardas municipais que procedam autuações de trânsito, diante do conceito amplo de \"FISCALIZAÇÃO\", que poderia abranger a própria aplicação de penalidades às infrações de trânsito.
O § 5º do artigo 144 da CRFB/88 estabelece que a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública cabem às polícias militares. Especificamente, a definição legal de policiamento de trânsito, que não se confunde com a mera atividade de FISCALIZAÇÃO, encontra-se fixada pelo Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro - CTB (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), nos seguintes termos:
\"POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO - função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança do trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes\".
Consoante o artigo 142, I, da Constituição Mineira, o policiamento de trânsito em geral e a autuação de condutores competem à Polícia Militar:
\"Art. 142. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa, do último posto, competindo:
I - à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e a restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do PODER de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;\"
Em relação ao Município, a função conferida pelas Constituições Federal e Estadual à Polícia Militar é exclusiva, não podendo ser delegada à GUARDA MUNICIPAL. A Polícia Militar compõe o Sistema Nacional de Trânsito, nos termos do artigo 7º, inciso VI, do Código de Trânsito Brasileiro. Diferentemente, a GUARDA MUNICIPAL não está arrolada como órgão integrante do Sistema Nacional de Trânsito. Vejamos:
\"SEÇÃO II
DA COMPOSIÇÃO E DA COMPETÊNCIA DO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO
Art. 7º. Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.\"
Cumpre frisar que a matéria relativa a trânsito e a tráfego de veículos automotores pelas vias terrestres, admite tríplice regulamentação (federal, estadual e MUNICIPAL). Tratando-se de questão de interesse nacional, incumbe à União traçar as regras gerais e as diretrizes do trânsito e transporte (art. 22, XI, CF). A Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro - constitui norma de caráter geral, destinada à regulamentação do \"trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação\" (art. 1º). Ao Estado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu território. Ao Município, compete cuidar das questões de trânsito e tráfego de interesse local, obedecendo às regras gerais federais e estaduais, de interesse de todos.
Inclusive, a Lei Orgânica de Belo Horizonte prevê, no artigo 193, que lhe incumbe, \"respeitadas as legislações federal e estadual, planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, delegar e controlar a prestação de serviços públicos relativos a transporte coletivo e individual de passageiros, tráfego, trânsito e sistema viário MUNICIPAL\". Repriso: \"respeitadas as legislações federal e estadual\".
Os assuntos de interesse local, referidos no inciso I do artigo 30 da Constituição da República, não conferem ao Município exclusividade à sua competência para legislar. O ato de planejar, organizar e coordenar o trânsito e transporte deve abranger as peculiaridades locais, com vista ao desenvolvimento das atividades urbanas. Mas isto não quer dizer que o Município pode se valer da competência legislativa que a Constituição lhe destina para modificar normas constitucionais que definem o sistema de segurança pública e as regras nacionais previstas no Código de Trânsito Brasileiro.
JOSÉ CRETELLA JÚNIOR orienta:
\"o Município está situado dentro do Estado, o qual por sua vez está situado dentro do País, que é a união indissolúvel dos Estados- Membros, e não há antinomia entre interesses locais e interesses gerais\". O \"traço que torna diferente o interesse local do interesse geral é a predominância, jamais a exclusividade\" (apud José Nilo de Castro, in Direito MUNICIPAL positivo. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 165-167).
Ouvi de eminentes colegas exposições jurídicas e interpretações acerca da matéria ora discutida. E, sob o enfoque da hermenêutica constitucional, confesso que não poderia deixar de manifestar minha preocupação com a interpretação que eleva o alcance do citado artigo 30, I, da CRFB/88. Inquieta-me a possibilidade de a expressão \"interesse local\", sem as devidas precauções contra o casuísmo que a situação possa sugerir, provocar divagações, abstrações, imprecisões de certa forma provocantes, insinuantes e, enfim, aptas a credenciarem invasão de competência legislativa.
O receio é de que algumas dessas interpretações, longe de reconhecerem, legitimamente, os limites da competência MUNICIPAL em questões especificamente locais, venham a outorgar ao legislador MUNICIPAL PODER que não lhe compete (eis alguns exemplos de interesses locais colhidos da doutrina para fins de interpretação da norma constitucional: transporte coletivo MUNICIPAL, fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, FISCALIZAÇÃO das condições de higiene de bares e restaurantes, coleta de lixo, ordenação de solo urbano, dentre outras que representem interesse predominantemente local). Se, por um lado, não se pode enumerar, exaustivamente, as hipóteses que representam \"interesse local\", visando delimitar a competência MUNICIPAL, por outro lado, deve-se adotar extrema cautela para que o intérprete não seja levado, simplesmente, até onde sua imaginação (ou! insatisfação com o trânsito de BH) permite, sem compromisso com o harmônico sistema de competências legislativas estabelecido entre os entes federativos.
Sobretudo, a temida invasão de competência legislativa, a vulnerar macro ou micro-sistemas constitucionais, pode se vestir (ou se mascarar) de retórica que se diz comprometida com a Constituição, mas que se esquece, na verdade, que o Município dispõe de autonomia constitucional e não de autonomia federativa. O Município pode se organizar, desde que observadas as regras gerais de interesse nacional. Não pode alterar o modelo nacional dos sistemas de segurança, de trânsito, de tráfego, que pressupõem conjunto e uniformidade. Tal ente federado pode elaborar regras próprias naquilo que não infringe o núcleo irredutível e essencial produzido pela lei federal, como é o exemplo, repito, do Código de Trânsito Brasileiro.
Registro, por oportuno:
\"Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação MUNICIPAL, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à MUNICIPAL suspende a eficácia desta.
A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais.\"
(MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. - 4. ed. ver. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 872 e 873)
Os Agentes da GUARDA MUNICIPAL também dispõem do PODER de polícia (valendo-me, aqui, do sentido amplo da expressão). Mas, não em relação ao trânsito e ao tráfego. Seu PODER de polícia se circunscreve à proteção de bens, serviços e instalações no âmbito MUNICIPAL. Cumpre frisar, tal PODER de polícia não engloba a autuação de infratores de trânsito. Em que pese a possibilidade de o Município instituir GUARDA MUNICIPAL incumbida da proteção de seus bens, serviços e instituições, isso não importa em substituir ou fazer as vezes da Polícia Militar (ou da BHTRANS, embora questionável sua legitimidade), exercendo o PODER de polícia, notadamente no que diz respeito à FISCALIZAÇÃO ostensiva do trânsito.
Data venia, observo que existe a tentativa de, via hermenêutica, inserir a proteção de bens, serviços e instalações do Município (que, por si só, já se revela como assunto de interesse local), em contexto que a norma geral criou como sendo o Sistema Nacional de Trânsito, que é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e cuja finalidade é o exercício das atividades, dentre outros, de policiamento, FISCALIZAÇÃO e aplicação de penalidades. A GUARDA MUNICIPAL não está arrolada como órgão integrante do Sistema Nacional de Trânsito e o fato de ser incumbida da proteção de bens, serviços e instalações não a credencia a tanto.
Tal como concluiu a Consultoria Jurídica do MINISTÉRIO DAS CIDADES, no PARECER CONJUR/MCIDADES Nº 1409/2006 divulgado pelo DENATRAN e que se encontra transcrito na peça inicial e em voto precedente, \"falece a GUARDA MUNICIPAL competência para atuar na FISCALIZAÇÃO de trânsito, incluindo o procedimento relativo a aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convenio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim\".
Referida conclusão sintoniza-se com o pensamento de JOSÉ AFONSO DA SILVA:
\"A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí certamente está uma área que é de segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio MUNICIPAL, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função exclusiva da Polícia Militar.\" (Op. cit., pág. 758)
Com isso, não se pode ampliar, em sede hermenêutica, interpretação ao artigo 5º da Lei MUNICIPAL 9.319/07 a autorizar a corporação a \"atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito\", ou seja, a permitir à GUARDA MUNICIPAL Patrimonial multar, autuar, notificar motoristas no trânsito em Belo Horizonte. Trânsito e tráfego não são englobados no universo dos serviços e instalações que devem ser protegidos, e, também, dos bens públicos, que são os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (art. 98 do CC/2002) e especificamente definidos pelo artigo 99 do CC/2002 e pela Lei Orgânica de Belo Horizonte que estabelece, em seu artigo 14: \"Constituem bens municipais todas as coisas móveis e imóveis, direitos e ações que, a qualquer título, pertençam ao Município\". O fato de as ruas e praças (locais de trânsito) serem bens públicos de uso comum do povo (art. 99 do CC/2002) não revela que a GUA! RDA MUNICIPAL seja competente para \"canetar\" o infrator de trânsito. O mesmo se diz em relação às instalações de caráter público, aos serviços públicos e aos serviços de utilidade pública.
A Constituição Federal, alerta ALEXANDRE DE MORAES:
\"concedeu aos Municípios a faculdade, por meio do exercício de suas competências legislativas, de constituição de guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, sem, contudo, reconhecer-lhes a possibilidade de exercício de polícia ostensiva ou judiciária\" (Direito constitucional - 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2001. pág. 644). Original sem grifo.
Naturalmente, como órgão do PODER Público, a GUARDA MUNICIPAL Patrimonial, quando houver necessidade e desde que na exclusiva proteção do patrimônio público, poderá até oferecer auxílio na organização e controle do trânsito exercido, exclusivamente, pelos agentes oficiais que integram os órgãos de trânsito tidos como competentes (no caso é a Polícia Militar, conforme exposto, e alguns até entendem que também é o caso da BHTRANS, não obstante a competência desta última também estar sendo questionada na Justiça). Mas, a GUARDA MUNICIPAL Patrimonial não pode, repito, exercer, diretamente, PODER de polícia no trânsito e tráfego, o que inclui dizer que não podem multar, autuar e notificar supostos infratores de trânsito em Belo Horizonte.
Ilustro meu entendimento com respeitável doutrina de CÁSSIO M. HONORATO:
A partir da noção de policiamento de trânsito, e do contido no artigo 144, § 5º, da CR/88,(5) afirma-se que as atividades de polícia ostensiva, prevenção de acidentes e orientação dos usuários das vias terrestres somente poderão ser exercidas por policiais militares, vez que à Polícia Militar compete, com exclusividade, exercer a atividade de policiamento ostensivo. Sustenta, aliás, Alvaro Lazzarini tratar-se de função \"indelegável a outros órgãos, seja por lei, atos administrativos ou ajustes, como são os convênios administrativos\". Em acréscimo, adverte o autor que \"as autoridades policiais militares não podem e nem devem abdicar do PODER de Polícia que lhes é inerente, inclusive o relacionado à Polícia de Trânsito, típica manifestação de Polícia Administrativa [...]\".(6)
Assim, outros órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, interessados em executar atividades relacionadas ao policiamento de trânsito, somente poderão fazê-lo por meio da Polícia Militar, celebrando-se convênios na forma dos artigos 23, inc. III, e 25 da Lei de Trânsito. Nesse sentido, acrescentam Geraldo de Faria Lemos Pinheiro e Dorival Ribeiro:
\"Quando o órgão executivo de trânsito não está integrado no órgão de segurança do Estado, do qual é parte a Polícia Militar, faz-se mister um convênio para harmonizar a competência da autoridade de trânsito com a competência para o policiamento ostensivo, fardado\".(7)
Visto o conceito de policiamento ostensivo e compreendida a competência exclusiva atribuída às Polícias Militares, conclui-se que a realização de atividades voltadas à abordagem e imobilização de veículos em vias terrestres, FISCALIZAÇÃO de documentos, prevenção e orientação de condutores (ou seja, atividades vulgarmente denominadas \"blitz\", \"comando\" ou \"operação conjunta\" - como consta do Termo Circunstanciado referido na Introdução) somente poderão ser promovidas (em uma sociedade que afirma ser um Estado Democrático de Direito) por agentes estatais devidamente habilitados pela Constituição; ou seja, a atividade de policiamento ostensivo é função constitucional exclusiva e indelegável das Polícias Militares (ressalvada a competência da Polícia Rodoviária Federal).
Ressalta o Desembargador Alvaro Lazzarini que \"não há, em Direito Administrativo, competência geral ou universal. A competência sempre decorre de lei e por ela é delimitada. A competência das Polícias Militares deriva da Constituição da República\".(8)
Sustenta-se, assim, a incompetência dos órgãos municipais de trânsito (e das guardas municipais) para exercerem a função de policiamento ostensivo, e, via de conseqüência, as atividades de policiamento de trânsito, abordagem e imobilização de veículos que trafegam em vias terrestres.
Destacam-se, na decisão abaixo transcrita, algumas conseqüências relacionadas à ausência de competência:
\"O art. 144, § 8º, da CF, limita a função do GUARDA MUNICIPAL. Não sendo inerente à sua função, a revista pessoal realizada por GUARDA MUNICIPAL, sem motivo justificador, é ilegítima, e contamina a prova obtida, assim como o que dela derivou. Assim, a invasão ao direito constitucional à intimidade torna ilegal a revista pessoal realizada por quem não tem poderes para tal, fazendo com que suas conseqüências também sejam nulas. [...]\". (TACrim/SP. Ap. nº 1.270.983/9, 4ª CCrim. Rel.: Juiz Marco Nahum, j. 18.09.01, v. u.)(9)
Conclui o ilustre Professor, Promotor de Justiça/PR, Especialista em Trânsito e Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Paraná que \"não pode a Polícia Militar permitir ou incentivar que outros órgãos (estaduais ou municipais) realizem atividade de policiamento de trânsito\" (Resistência à opressão: garantia implícita na constituição de 1988, Juris Plenum Ouro, Edição nº 7, maio de 2009).
O egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, atentou à restrição constitucional imposta à GUARDA MUNICIPAL, concluindo: \"A GUARDA MUNICIPAL não pode exercer serviços de trânsito nem, mesmo conveniada, exercer segurança pública, restringindo sua ação a defesa civil. Inconstitucionalidade parcial. Votos vencidos.\" (TJRS - ADI 592052088 - TP - Rel. Des. Décio Antônio Erpen - J. 21.12.1992)
Cito, ainda:
\"MULTA DE TRÂNSITO - GUARDA MUNICIPAL - Não tendo a GUARDA MUNICIPAL competência para aplicação de multas de trânsito, é de negar provimento ao recurso mantendo-se a R. Sentença. Recurso improvido.\" (TJSP - Ap-Rev 662.830.5/4 - (0002538080) - Franca - 2ª CDPúb. - Rel. Lineu Peinado - DJe 23.09.2009 - p. 1226)
Concluo por declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto (sem eliminação ou alteração da expressão literal da lei), do inciso IV do art. 5º da Lei n.º 9.319, de 19 de janeiro de 2007, e do Decreto n.º 12.615, de 19 de janeiro de 2007, do Município de Belo Horizonte, tendo em vista a possibilidade, via interpretação, de se ampliar o alcance da aplicação de tais normas legais, em desconformidade com a Constituição da República, permitindo-se, eventualmente, à GUARDA MUNICIPAL Patrimonial inconstitucional atuação na FISCALIZAÇÃO do trânsito e do tráfego, no âmbito do Município de Belo Horizonte.
Enfim, na consideração de que o amplo conceito de \"FISCALIZAÇÃO\" possa sugerir indevida transferência à GUARDA MUNICIPAL do PODER de polícia da Polícia Militar junto ao trânsito e tráfego em Belo Horizonte, com base em eventual interpretação inconstitucional dos dispositivos legais ora impugnados, acompanho o douto Relator.
O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:
Sr. Presidente, pela ordem.
Tenho um complemento de voto escrito.
VOTO
Diante da articulada argumentação trazida na sessão passada, e não estando esta devidamente analisada no voto por mim proferido, passo a novamente discorrer sobre tema.
Dois foram os pontos trazidos nos votos contrários, um primeiro de ordem prática, ligada à necessidade proeminente de maior FISCALIZAÇÃO e contenção de abusos no caótico trânsito desta Capital, e um segundo puramente técnico interpretativo em que se defende a autonomia MUNICIPAL para legislar sobre trânsito, a extensão que se deve dar à locução \"proteção de bens\" e, ainda, a necessária efetividade desta proteção. O primeiro aspecto, embora relevante, depende necessariamente das conclusões obtidas pelo segundo, razão pelo qual a este me dedico.
De fato, não há dúvidas que pode o Município, no gozo de sua competência constitucional, legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente sobre trânsito e tráfego e, ainda, que em não havendo limitação ao tipo de bem a ser protegido pela GUARDA MUNICIPAL, inclui-se tanto os de uso comum do povo, quanto aos de uso especial e dominical.
Ocorre que legislar sobre trânsito local não implica dizer outorgar à GUARDA MUNICIPAL a atribuição de nele atuar. É que a mesma Constituição Mineira que em seu artigo 171, I, \"c\", atribuiu ao Município tal competência, alguns dispositivos antes, ou seja, nos artigos 138 e 142, outorgou à Polícia Militar, de forma expressa, a função de polícia ostensiva de trânsito urbano e as guardas municipais, se e quando criadas, apenas e tão-somente a proteção de seus bens, serviços e instalações.
Emanam do cotejo destes dispositivos constitucionais duas conclusões. A primeira é que a competência legislativa MUNICIPAL em relação ao trânsito não alcança a função de polícia ostensiva, outorgada pela própria Constituição Estadual, como dito acima, à Polícia Militar. Raciocínio inverso, insta salientar, traria a indesejada superposição de órgãos na execução de uma mesma atividade e, portanto, a desarmonia entre os dispositivos constitucionais e os entes federados.
Sobre o tema colaciono brilhante lição da Professora e Procuradora do Estado, Raquel Melo Urbano de Carvalho, no parecer n. 14742. A saber:
\"Exige-se daqueles que integram os Poderes do Estado cuidados mínimos quando da análise da legitimidade de instituir novas estruturas e de prever suas competências, para evitar que estas nasçam e se proliferem sem nenhuma necessidade real que as evidencie como empiricamente necessárias, em manifesta contrariedade com texto constitucional. Outrossim, a superposição de órgãos destinados ao exercício de uma mesma atividade, com nocivo dispersão dos recursos públicos, é situação que torna imperioso o controle da juridicidade das medidas legislativas, para que a máquina administrativa funcione de modo eficiente, sem omissões e sem excessos inconstitucionais.
Não se trata de recalcitrância em reconhecer a autonomia MUNICIPAL, mas de lhe reconhecer a exata competência outorgada pela Constituição. Embora seja certo que o Município tem competência legislativa e administrativa em se tratando de assunto de interesse local, não é lícito pretender aí incluir matéria que a própria Constituição expressamente atribuiu a outro ente federativo, retirando do alcance MUNICIPAL a possibilidade de atuar na seara\".
Mais a frente completa:
\"Não se pode olvidar que a falta e a demasia são igualmente prejudiciais ao interesse público, mormente se terminam por descumprir os paradigmas normativos de regência. Impõe-se perseguir o equilíbrio na definição de atribuições reconhecidas ao terceiro integrante da peculiar federação brasileira, de modo que não lhe retire nenhum PODER inerente à sua autonomia político-administrativa e, simultaneamente, de modo que não lhe outorgue competência além dos limites constitucionais.
Consoante já se ressaltou, a possibilidade de um Município organizar-se (autonomia político-administrativa) não traz ínsita autorização de as leis locais ignorarem os dispositivos constitucionais de regência. Mesmo porque a Constituição da República, em seu art. 144, parágrafo oitavo, ao conferir permissibilidade com vista à criação das Guardas pelos Municípios, não excepcionalizou outra forma de atuação além das atividades expressamente mencionadas no parágrafo oitavo. Nesse contexto, qualquer interpretação extensiva que ignore a norma superior que serve de fundamento ao instituto compromete, de modo insanável, o equilíbrio federativo tal como delineado na CF.\"
Ainda nesta primeira conclusão cabe a pergunta, se não pode o Município legislar sobre a FISCALIZAÇÃO e autuação no trânsito, estas, vale dizer, funções próprias do caráter ostensivo atribuído constitucionalmente à Polícia Militar, sobre quais aspectos lhe é permitido? A resposta é sobre todos os outros, desde políticas públicas voltadas ao tema até mudanças de sinalização, implemento de estacionamentos rotativos e autorizações especiais para o tráfego de determinado veículo em áreas específicas.
Superada esta primeira conclusão, passo ao exame da segunda que remete à interpretação, necessariamente restrita, que se deve dar às atribuições conferidas à GUARDA MUNICIPAL.
Quando se fala em proteção de bem e instalações municipais, sejam eles de uso comum, especial ou dominical, vem a mente a atuação positiva no sentido de evitar danos as suas estruturas físicas, ou seja, proibir que alguém, ou mesmo alguma coisa, deprede uma praça, uma rua ou um prédio público, bem como seus acessórios, por exemplo, bancos, lixeiras, poste de luz e vegetação, e não, vale dizer, a responsabilidade por tudo que se passa nestas dependências. O mesmo se diz em relação à proteção aos serviços.
Se assim não fosse estaria a GUARDA MUNICIPAL obrigada, por dever de ofício, a combater toda a crescente criminalidade ocorrida nas ruas, pois, se o criminoso \"usa\" a via para bater a carteira da vítima e esta, segundo a interpretação dada, está sob a proteção ampla da GUARDA MUNICIPAL, nada mais \"lógico\" que ela atue visando coibir a infração e, se não atuar, responderá o agente por omissão. Isso, entretanto, certamente não foi o que pretendeu o legislador constituinte ao regulamentar o tema.
Não é porque a infração de trânsito (administrativa), ou mesmo penal, se deu nas dependências de atuação da GUARDA MUNICIPAL que, automaticamente, desta passa ser a responsabilidade. Devemos levar em consideração, a bem da verdade, a competência para atuação de cada órgão delineada na Constituição.
Colaciono, mais uma vez, os artigos da Constituição Mineira que tratam do tema:
Art. 138 - O Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República.
Art. 142 - A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último posto, competindo:
I - à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do PODER de polícia dos órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;
Assim sendo, somente a infração de trânsito causadora de dano ao bem público (a rua, a praça) seria capaz de legitimar o agente da GUARDA MUNICIPAL agir em sua defesa, não como fiscalizador de trânsito, é bom que se diga, mas sim como legítimo vigilante patrimonial.
O veículo estacionado há mais tempo que o permitido em área abrangida pelo estacionamento rotativo, o automóvel que ultrapassa o sinal vermelho e a motocicleta em alta velocidade não causam, em absoluto, lesão ao patrimônio protegido, mas sim ao interesse social e, em certa instância, a própria ordem pública.
Registro, por oportuno, que embora a previsão de instauração da GUARDA MUNICIPAL venha na Constituição Federal em seu capítulo destinado à Segurança Pública, e na Constituição Mineira em uma subseção com o mesmo nome, nos dois diplomas quando se elenca de forma expressa e exaustiva os órgãos que detêm o dever de nesta área atuar (art. 144 da CR e art. 136 CE), não há referência à GUARDA MUNICIPAL, o que releva notar que a esta, tal qual um outro cidadão qualquer, cabe apenas a possibilidade de atuação e não o dever.
O PODER de polícia atribuído à GUARDA MUNICIPAL não se confunde com o policiamento ostensivo para fins de vedação de infrações de trânsito, competência exclusiva da Polícia Militar. Trago lição de José dos Santos Carvalho Filho sobre o assunto:
\"Apenas com o intuito de evitar possíveis dúvidas em decorrência da identidade de vocábulos, vale a pena realçar que não há como confundir polícia-função com polícia-corporação: aquela é a função estatal propriamente dita e deve ser interpretada sob o aspecto material, indicando atividade administrativa; esta, contudo, corresponde à idéia de órgão administrativo, integrado nos sistemas de segurança pública e incumbido de prevenir os delitos e as condutas ofensivas à ordem pública, razão por que deve ser vista sob o aspecto subjetivo (ou formal). A polícia-corporação executa frequentemente funções de polícia administrativa, mas a polícia-função, ou seja, a atividade oriunda do PODER de polícia, é exercida por outros órgãos administrativos além da corporação policial\" (Manual de Direito Administrativo - José dos Santos Carvalho Filho -Editora Lúmen Júris - 2008. p. 68).
Caso, por exemplo, uma rua esteja com o tráfego (veículos e pedestres) proibido, por causa de uma obra MUNICIPAL, e a GUARDA esteja zelando pelo cumprimento deste comando, se alguém infringir a vedação, o agente MUNICIPAL não poderá multá-lo na forma do Código de Trânsito, mas, como forma de fazer valer sua autoridade, poderá se opor fisicamente à transgressão e, diante da impossibilidade, detê-lo por desobediência ou mesmo, se for o caso, por desacato, entregando-o à Polícia Militar para que lavre o Boletim de Ocorrência e tome as providências cabíveis.
Não se trata, portanto, de norma meramente decorativa (moral), mas sim norma jurídica, passível de ser efetivada através de restrição imposta pelo agente ao seu transgressor.
Diante do exposto reafirmo que a GUARDA MUNICIPAL pode atuar no trânsito de forma limitada aos preceitos constitucionais, age, portanto, como coadjuvante junto aos legítimos detentores da competência nas atividades relacionadas ao trânsito.
SÚMULA: PEDIU VISTA O DES. CARREIRA MACHADO. VOTARAM JULGANDO IMPROCEDENTE O DES. RONEY OLIVEIRA E, EM ADIANTAMENTO DE VOTO, O DES. NEPOMUCENO SILVA. EM ADIANTAMENTO DE VOTO, JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE, ACOMPANHANDO O RELATOR, OS DES. KILDARE CARVALHO E ARMANDO FREIRE, E ACOMPANHANDO O REVISOR, O DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO.
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09/12/2009
CORTE SUPERIOR
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.08.479114-4/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REQUERENTE(S): PG JUSTIÇA - REQUERIDO(A)(S): PREFEITO MUN BELO HORIZONTE, CÂMARA MUNICIPAL BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA
Assistiram ao julgamento, pela Prefeitura MUNICIPAL de BH, os Drs. Marco Antônio de Rezende Teixeira e Gustavo Alexandre Magalhães.
O SR. PRESIDENTE (DES. SÉRGIO RESENDE):
O julgamento deste feito, após rejeitadas as preliminares, à unanimidade, foi adiado na Sessão do dia 14.10.2009, a pedido do Des. Roney Oliveira, depois de votarem dando provimento parcial o Relator e o 1º Revisor. Em adiantamento de voto, o Des. Reynaldo Ximenes Carneiro acompanhou o Relator, o Des. Herculano Rodrigues acompanhou o 1º Revisor.
Julgaram improcedente os Des. Célio César Paduani, Jarbas Ladeira, Wander Marotta, Geraldo Augusto, Caetano Levi Lopes, Ernane Fidélis, Belizário de Lacerda, Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Sebastião Pereira de Souza e Bitencourt Marcondes.
Na Sessão do dia 28.10.2009, pediu vista o Des. Carreira Machado.
Votaram julgando improcedente o Des. Roney Oliveira e, em adiantamento de voto, o Des. Nepomuceno Silva.
Em adiantamento de voto, julgaram parcialmente procedente, acompanhando o Relator, os Des. Kildare Carvalho e Armando Freire, e acompanhando o Revisor, o Des. José Francisco Bueno.
Com a palavra o Des. Carreira Machado.
O SR. DES. CARREIRA MACHADO:
VOTO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais contra o art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, que dispõe que \"compete à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito\".
Pedi vista dos autos e, após detida análise de todo o processado, tenho que a ação deve ser julgado procedente, posto que coaduno com o entendimento de que cabe à GUARDA MUNICIPAL, nos termos das disposições constitucionais, proteger bens, serviços e instalações públicas, não cabendo a ela agir como órgão de coordenação, FISCALIZAÇÃO ou repressão ao tráfego.
Ante o exposto, declaro parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução de texto, nos termos do voto proferido pelo Primeiro Vogal, Des. Alexandre Victor de Carvalho.
O SR. DES. ALMEIDA MELO:
VOTO
Alega-se que o art. 5º, VI, da Lei nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007 e o art. 1º do Decreto nº 12.615, de 19 de janeiro de 2007, do município de Belo Horizonte, são inconstitucionais por ofenderem o art. 138 da Constituição do Estado que permite ao Município que constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República.
Quando a Assembléia Nacional Constituinte (Diário da Assembléia Nacional Constituinte (Suplemento \"C\"), p. 44) instituiu as guardas municipais havia proposta do constituinte Bernardo Cabral - Substitutivo 2 - de que às guardas competiria a proteção do patrimônio MUNICIPAL, além do que dispusessem as constituições estaduais. O constituinte Ibsen Pinheiro, na reunião de 6 de dezembro de 1987, alertou aos integrantes da Comissão de Sistematização que a oração intercala as expressões \"além do que dispuserem as constituições estaduais\", criando o risco de a Constituição Federal abrir permissivo que poderá levar, em algum caso extremo, a que, eventualmente, constituições estaduais atribuam funções repressivas à GUARDA MUNICIPAL. Ponderou Ibsen que o sistema de segurança foi definido exaustivamente no texto aprovado naquela tarde e que as guardas municipais têm outra função, de colaboração para a ordem dos serviços municipais. Por isso, ofereceu definição que lhe pareceu adequa! da: \"Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção das instalações e dos serviços municipais\". Concluiu seu pronunciamento afirmando que, sempre que necessária, a ação da GUARDA MUNICIPAL, para a proteção, para a ordenação dos serviços municipais em parques, nas repartições municipais, elas prestarão esses serviços à comunidade, mas jamais poderão ser confundidas, eventualmente, num texto constitucional estadual como integrantes do sistema de segurança, que, no plano do Estado, limita-se às polícias civil e militar e, no plano da União, estão definidas claramente.
Na oportunidade, o constituinte José Maria Eymael teve uma dúvida e solicitou ao autor do texto que esclarecesse se uma praça pública é considerada instalação. O constituinte Nelson Carneiro antecipou-se e disse: é um bem. Aí o 4º vice-presidente da Comissão de Sistematização, no exercício da presidência, constituinte Fernando Henrique Cardoso concluiu: claro, tem que proteger o patrimônio.
Prevaleceram, no texto definitivo, instalações, bens e serviços.
A legislação sobre trânsito e tráfego foi debatida na Comissão de Organização do Estado, em sua reunião de 12 de junho de 1987, conforme consta do Diário da Assembléia Nacional Constituinte (Suplemento). Foi afirmada a competência privativa da União.
Quanto à competência MUNICIPAL para organizar e prestar os serviços públicos de predominante interesse local, o assunto encontra-se debatido na Comissão de Organização do Estado da Assembléia Nacional Constituinte, em sua reunião de 12 de junho de 1987 (Diário da Assembléia Nacional Constituinte - Suplemento - p. 64/65). O constituinte Mello Reis pretendeu incluir as expressões inclusive tráfego, sinalização, trânsito e arrecadação de multas de trânsito. Informou que as cidades americanas arrecadam 30% de sua receita em multas de trânsito. Observou que o Estado arrecada essas multas e, na maioria das vezes, o município não tem qualquer participação. Encaminhando a votação em sentido contrário o constituinte Del Bosco Amaral salientou que a cidade de Santos tem o seu Departamento MUNICIPAL de Trânsito e arca com todas as despesas de sinalização, recendo muito pouco do fundo nacional e estadual com a arrecadação das multas. Advertiu para o perigo de que, nos municípios pequeno! s e médios, os custos da implantação do serviço não serem recompensados pela arrecadação das multas. O relator, constituinte José Richa, sustentou que, se incluísse tráfego, sinalização e trânsito, por questão de equidade, teria de incluir também cemitério, iluminação pública, parques e jardins. Esquecendo-se alguma competência, estaria tolhendo a autonomia dos municípios. A emenda foi rejeitada da mesma forma que se considerou prejudicada outra, do mesmo autor, que incluía na competência do município criar e regular o funcionamento de GUARDA MUNICIPAL subordinada administrativamente ao prefeito MUNICIPAL. O constituinte Mello Reis explicou que, se não constassem, no texto constitucional, as prerrogativas não comumente regulares no município, será este impedido de ter tais atividades. Assegurou que os municípios não poderiam arrecadar multas de trânsito, nem policiar o trânsito, nem ter sua GUARDA MUNICIPAL, porque o Estado não lhe permitiria isso (p. 78). É verdade que, em! outra etapa, o constituinte Mello Reis propôs explicitar que ! a políci a administrativa do Município seria exercida exclusivamente nas vias públicas municipais exatamente porque na área MUNICIPAL existem vias públicas federais, estaduais e municipais. O constituinte Mello Reis partia do pressuposto de que a legislação sobre trânsito e tráfego seria tripartite - da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e admitiu que os pequenos municípios, que não se julgassem estruturados para exercer o PODER de polícia de trânsito, se conveniassem com os respectivos estados a fim de utilizar a Polícia Militar ou a própria Polícia Civil para essa finalidade. Essas proposições não prosperam na Assembléia Nacional Constituinte (Diário da Assembléia Nacional Constituinte - Suplemento - p. 146).
As guardas municipais são, atualmente, matéria da Constituição da República, disciplinadas que se encontram por seu art. 144, § 8º, o qual diz:
\"Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.\"
Como foi explicado, a partir dos debates ocorridos no ambiente da Assembléia Nacional Constituinte, o papel das guardas municipais diz respeito à conservação dos bens, instalações e serviços municipais. Não se entende aí que a polícia de trânsito, quando se refere à utilização de vias públicas municipais, signifique custódia de praça, jardim, rua ou edifício público de uso especial. A função da polícia de trânsito significa segurança às pessoas e bens que se encontram em trânsito e tráfego e os bens públicos são somente o espaço dentro do qual se exerce essa segurança, da mesma forma que a atividade policial ostensiva, por ser realizada nas ruas, não equivale a GUARDA de bens públicos.
No município de Belo Horizonte, a GUARDA MUNICIPAL foi bem posta pela Lei nº 8486, de 20 de janeiro de 2003, que a denominou apropriadamente de GUARDA MUNICIPAL Patrimonial, tendo por atribuições: I - proteção dos bens e instalações do patrimônio público de Belo Horizonte; II - serviços de vigilância de portaria das administrações direta e indireta;
III - auxiliar nas ações de defesa civil sempre que em risco bens, serviços e instalações municipais e, em situações excepcionais, a critério do Prefeito; IV - auxiliar permanentemente o exercício da FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL sempre que em risco bens, serviços e instalações municipais e, temporariamente, diante de situações excepcionais, a critério do Prefeito.
A norma da Constituição do Estado de Minas Gerais, art. 138, reproduz o texto federal:
\"O Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República.\"
Tem-se aí norma constitucional estadual que reproduz norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados. Conforme decidiu o excelso Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 383-3 SÃO PAULO, relator Ministro Moreira Alves, acórdão publicado no DJ de 21 de maio de 1993, é possível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade perante este eg. Tribunal, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma estadual, que reproduz norma constitucional federal de observância obrigatória, contrariar o sentido e o alcance desta.
Quando a Constituição da República atribuiu às guardas municipais a proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios somente reservou à lei disciplinar essa proteção.
Porém, tendo-se exaurido, no texto constitucional federal, a competência, sem haver permissividade à lei para acrescentar outras atribuições, o acréscimo que houver excede a Constituição e a ofende.
As normas de competência demandam interpretação estrita. Como se acha na doutrina de Carlos Maximiliano, competência não se presume. Uma vez assegurada, entende-se conferida coma amplitude necessária para o exercício do PODER ou desempenho da função a que se refere a lei. Presumem-se exclusivas as funções conferidas a uma autoridade, se o legislador não prescreveu, a respeito, evidentemente o contrário, pois a divisão do PODER é a regra e a sua confusão, fato excepcional. Quando a norma atribui competência excepcional ou especialíssima, interpreta-se estritamente (Hermenêutica e aplicação do direito, 9. edição/3. tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 265).
Quando a Constituição permite elastério, conforme, por exemplo, o inciso IX do art. 129, ao tratar da competência do Ministério Público, refere-se expressamente a outras funções que forem conferidas. Até mesmo ao referir-se à competência do Presidente da República e à previsão de atribuições outras, no próprio texto constitucional, a Constituição menciona, expressamente, outras atribuições, conforme consta do inciso XXVII do art.84. Ao tratar dos corpos de bombeiros militares, em seu art. 144, § 5º, a Constituição menciona expressamente a execução de atividades de defesa civil além das atribuições definidas em lei.
Nos demais casos dos órgãos destinados à Segurança Pública, a Constituição não posterga ou alonga competências. Vejam-se as atribuições da polícia federal (art. 144, § 1º); da polícia rodoviária federal (art. 144, § 2º); da polícia ferroviária federal (art. 144, § 3º); das polícias civis (art. 144, § 4º) e das polícias militares (art. 144, § 5º). As referências à forma da lei são somente para que a lei determine o modus faciendi, sem haver previsão de que a lei possa estabelecer novas competências.
Conclui-se, pois, que a Constituição da República não pretendeu ensejar às constituições estaduais ou às leis em geral alongamento das competências por ela definidas para as guardas municipais.
A polícia do trânsito e do tráfego pode, em alguns casos, ser matéria de interesse local e, por seu conteúdo material, compatível com a competência dos municípios, fixada no art. 30, V, da Constituição.
A inconstitucionalidade de sua inclusão, por constituição ou lei estadual ou MUNICIPAL, encontra-se não no fato de que tal serviço público não possa ser de predominante interesse local, porém pelo fato de não PODER ser cabível nas atribuições das guardas municipais, ante a falta de previsão constitucional.
Não bastasse a verificação técnica da inconstitucionalidade, justificadas são suas razões, nos planos da política administrativa. Não se entenderiam bem estados e municípios em situação na qual pudessem estabelecer contingentes de FISCALIZAÇÃO paralelos, sob comandos distintos, visando tratar da polícia do trânsito e do tráfego. Os critérios e as prioridades correm o risco de serem diferentes e causar aos cidadãos insegurança e perplexidade.
Admite-se, portanto, a cooperação do Município, desde que não se faça com a participação da GUARDA MUNICIPAL - dada sua competência limitada pela Constituição da República - de tal modo que haja unidade de comando e de ação. Como foi exposto, não basta apenas policiar. O órgão encarregado do exercício do PODER de polícia deve dispor dos investimentos logísticos necessários à prioridade da ação pedagógica, à alocação de semáforos e de sinalização.
Há de ser considerado o preparo desigual dos quadros das polícias militares e das guardas municipais. Os policiais militares submetem-se a concursos públicos nos quais se exigem conhecimentos específicos, submetendo-se à prévia aprovação em cursos de preparação nas academias policiais onde há a prática da disciplina e da hierarquia, próprias da carreira militar, bem como exigências impostas não só de higidez física e mental, como também de desempenho mínimo nos exames a que são submetidos os candidatos. Para essa finalidade, os investimentos dos estados com academias, equipamentos, instalações e recursos humanos são bastante significativos.
O trânsito caótico nas grandes metrópoles, em que os investimentos públicos, em equipamentos arquitetônicos, não vencem o congestionamento de veículos, a falta ou escassez de aprendizado e solidariedade dos condutores, a inexistência de seguro compulsório que coloque a salvo os danos pessoais e materiais de terceiros, está a exigir adequação militar aos responsáveis por sua polícia, os quais devem portar tranqüilidade de espírito, paciência, força física e moral necessária a superar dificuldades instantâneas que se acumulam constantemente para dar-lhes respostas imediatas e proporcionais. Sem desprezar que os guardas municipais são bem treinados, torna-se, nessas circunstâncias, irrenunciável o preparo militar, em ambiente de quartel que apenas se torna realidade no ambiente das Forças Armadas ou das polícias militares. A condescendência para ampliar o esquema da segurança do trânsito impõe risco adicional que não se justifica na ação de interpretar e aplicar as normas.
Não se compreenderá que os municípios, sem esses investimentos, coloquem no meio do povo guardas municipais que se ombreiem com os policiais militares sem o mesmo preparo e dedicação. Principalmente quando os municípios não suportam os investimentos, custos e despesas que suportam os equipamentos urbanos destinados a viabilizar a ação policial administrativa. Tratar-se-á de trabalho parasitário, isolado, destoante e, muitas vezes, conflitante com a ação policial militar. Este tipo de trabalho não interessa à segurança do povo.
Em resumo, não se dispensa a cooperação MUNICIPAL, ditada pelo interesse local, na polícia do trânsito e do tráfego. Essa cooperação há de ser efetivada mediante convênio ou consórcio, conforme predica o art. 241 da Constituição da República, na redação dada pela Emenda à Constituição nº 19, de 4 de junho de 1998 - Reforma Administrativa:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
Essa norma já se encontrava prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição da República, em seu texto original, com a previsão de leis complementares que fixarão normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional e com expressa menção, no inciso XII, à política de educação para a segurança do trânsito.
A gestão associada é indispensável à viabilidade e êxito do serviço comum, visando evitar o excesso de gestão que é tão danoso como a falta de gestão. Não se compreenderá que, se tratando de serviço típico da segurança pública de competência dos estados, os municípios possam nele penetrarem, por conta e risco próprios, com o prejuízo grave de dividir e dispersar responsabilidade de forma altamente inconveniente ao interesse público.
Não se desconhece que o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo tem assimilado, em suas câmaras de Direito Público, a constitucionalidade da aplicação de multas de trânsito por municípios paulistas.
Ao julgar a Apelação Cível nº 541.573-5/8-00, em 27 de novembro de 2006, de São Paulo, a Décima Câmara de Direito Público do Tribunal Paulista, relatora a Desembargadora Tereza Ramos Marques, assentou que o art. 144, § 8º, da Constituição da República, especificou a função típica da GUARDA MUNICIPAL apenas para evitar conflito com as demais funções de segurança pública atribuídas às outras polícias previstas no mesmo art. 144. Este fundamento prova demais, pois, apenas para argumentar, se a finalidade do referido § 8º foi precisar as atribuições, para evitar conflitos, pela mesma razão não seria possível às constituições estaduais ou às leis municipais ou estaduais alongar o texto constitucional federal para estabelecer outros casos em que atuam as polícias estaduais e em que o conflito haveria, como é o da polícia de trânsito e tráfego.
Fundamentou-se também no art. 280, § 4º, do Código de Trânsito Brasileiro, segundo o qual o agente da autoridade trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista, ou ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. O militar ou servidor militar será sempre da União, dos estados ou do Distrito Federal. Não há hipótese de referência aqui a autoridade MUNICIPAL, uma vez que nenhuma tem competência própria para polícia de trânsito e tráfego na via MUNICIPAL. Embora o bem comum do povo seja MUNICIPAL, a polícia de trânsito e tráfego que nele se exerce não se confunde com o patrimônio ou a propriedade, mas incide sobre as ações ou omissões dos respectivos usuários.
Na Apelação Cível nº 880.994-5/1-00, de São José do Rio Preto, relator o Desembargador Franco Cocuzza, julgada em 11 de maio de 2009, a Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal paulista limitou-se a verificar que a Constituição da República autoriza aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, sendo cabível dispor sobre trânsito urbano, FISCALIZAÇÃO e autuação de veículos automotores, por se tratar de assunto de interesse local, não existindo qualquer ofensa a princípio constitucional e estando demonstrado que a Administração Pública observou o princípio da legalidade, bem como o disposto na Carta Magna. O argumento está correto até o ponto em que se reserva mentalmente a competência privativa da União, na legislação de trânsito e tráfego, que exclui, nessa matéria, a possibilidade de legislação MUNICIPAL.
Finalmente, em 17 de agosto de 2009, no julgamento da Apelação Cível 745.340-5/2-00, de Araçatuba, de que foi relator o Desembargador José Habice, a Sexta Câmara de Direito Público sustentou o primeiro argumento da Décima Câmara Cível, já exposto e que parece inadequado para a sustentação da constitucionalidade da norma MUNICIPAL.
Não se tem notícia de julgamento do Órgão Especial do Tribunal de São Paulo, levando em conta a causa de pedir da presente ação direta.
Na Suspensão de Tutela Antecipada STA 9/RJ, o Ministro Maurício Corrêa, deferiu, em 12 de novembro de 2003, publicado no DJ de 26 de novembro de 2003, o pedido de suspensão da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, atendendo a requerimento do Ministério Público, suspendeu os efeitos de todas as multas já aplicadas pelos funcionários da GUARDA MUNICIPAL e os efeitos de novos autos de infração lavrados com violação das normas contidas no Código de Trânsito Brasileiro, sem prejuízo da apuração dos aspectos criminais que porventura envolvam as autuações. O fundamento jurídico foi de que a GUARDA MUNICIPAL excede no cumprimento de suas funções e, também, a impossibilidade de ser outorgada a pessoa jurídica de direito privado o exercício do PODER de polícia, sendo essa delegação contrária às disposições da Constituição Federal. A decisão do Ministro Corrêa foi fundada em que o risco da multiplicação de demandas contra o Estado do Rio de Janeiro e a preponderância do! interesse público sobre o interesse individual determinavam a necessidade da suspensão da decisão do Tribunal fluminense. Na decisão o Ministro salientou que não ingressava no mérito da ação civil pública e citou excerto da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. As questões que teriam sido trazidas na inicial seriam meramente formais, não se questionando o exercício da atividade administrativa ou mesmo de sua eficiência
As normas impugnadas dão à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte competência para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação unilateral do Prefeito (Lei nº 9.319, de 2007). São atribuições típicas de polícia de trânsito e de tráfego, subordinadas à determinação do Prefeito, sem a necessária participação do Estado, detentor do PODER de polícia e sem a necessária previsão em lei, como determina o art. 241 da Constituição da República. Como foi posto no Direito Constitucional do Brasil, p. 1289, é preciso evitar superposições e, principalmente, omissões, porquanto a falta de disciplina de convênios e de consórcios tem permitido estruturas paralelas e ensejado a retração das iniciativas, por falta de definição de encargos e responsabilidades, como ocorre na Saúde Pública. A leitura deste artigo há de ser cuidadosa, posto que, por envolver os diversos entes que compõem a federação, não poderá cada um deles legislar a seu respeito. T! endo em vista a maior amplitude dos poderes da União, as normas gerais deverão ser privativas dela.
Já o Decreto 12.615, em seu art. 1º, separa contingente para o exercício concomitante da referida tarefa conjuntamente com o que chamou de demais atribuições da GUARDA MUNICIPAL - quando, a rigor, trata das atribuições constitucionais desta - e determina treinamento específico para realização desta função. Há, pelo exposto, evidente contrariedade à norma da Constituição do Estado que reproduz a norma federal.
Após grande meditação sobre o tema concluí que não podia aderir a nenhuma das respeitáveis correntes de opinião que se formaram nesta eg. Corte Superior. Não é admissível o PODER de polícia sem sanção. Seria a desmoralização da polícia administrativa. O enfrentamento da tese da lei não permite que se vá além dela para se extrair interpretação ou aplicação que seria caso de jurisdição concreta, incabível no controle direto ou abstrato como o que foi proposto. Os diversos fundamentos constitucionais já referidos repelem, finalmente, as normas municipais questionadas.
Com respeitosa vênia, julgo procedente a ação e declaro inconstitucional o art. 5º, VI, da Lei nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007 e o art. 1º do Decreto nº 12.615, de 19 de janeiro de 2007, do município de Belo Horizonte.
O SR. DES. CLÁUDIO COSTA:
VOTO
Em representação de inconstitucionalidade, busca o Ministério Público Estadual impugnar o teor do art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, que autoriza à GUARDA MUNICIPAL autuar e aplicar infrações administrativas de trânsito.
Da detida análise que fiz da demanda, pude concluir por acompanhar os votos que sinalizaram pelo acolhimento da representação, com declaração de inconstitucionalidade, sem redução do texto, do art. 5º, VI, da indicada Lei MUNICIPAL.
É que, dentre os princípios estabelecidos que devam ser observados obrigatoriamente pelos Estados-Membros e Municípios, está aquele relativo às funções específicas da GUARDA MUNICIPAL - art. 144, § 8º, da Constituição Federal, destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações municipais.
Já no âmbito estadual, a destinação constitucional das Guardas Municipais também só poderá ser aquela estabelecida no artigo 138 da Constituição do Estado, isto é, \"proteção de seus bens, serviços e instalações\".
Do exame de tais disposições constitucionais, não se observa qualquer possibilidade de alargamento das atribuições das Guardas Municipais, como pretende o art. 5º, VI da Lei 9.319/2007.
Logo, diante da vedação constitucional implícita, tem-se que defeso é à GUARDA MUNICIPAL a possibilidade de interferência na propriedade particular dos cidadãos, através da lavratura de multas, apreensões de bens particulares etc., na exata medida de que a destinação constitucional da GUARDA MUNICIPAL - proteção dos bens, serviços e instalações do Município - coíbe o alargamento pretendido pelo Município.
José Afonso da Silva, que, ao dispor sobre a possibilidade da instituição das Guardas Municipais, firma:
\"Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia MUNICIPAL. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não pode eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança e menos ainda de polícia judiciária.
A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir \'guardas municipais\' destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme a lei dispuser...\". (g.) (Curso de Direito Constitucional Positivo\", 9ª ed., Malheiros, 1993, p. 661)
Aliás, como bem o ressaltou o eminente Des. Kildare Carvalho, em voto antecedente:
\"(...) o reconhecimento da possibilidade de atuação da GUARDA MUNICIPAL no auxílio ao controle do trânsito e tráfego no Município de Belo Horizonte não lhe confere o PODER de polícia propriamente dito, aquele ostensivo citado pelo art. 142, I, da CEMG, e atribuído à Polícia Militar (...)\"
Cabe ressaltar, de outro lado, que o Sistema Nacional de Trânsito, tal como preceituado pelo Código Brasileiro de Trânsito - Lei 9.503/97 - tem por finalidade e meta, conforme art. 5º, o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, FISCALIZAÇÃO, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades e é composto, como se vê do art. 7º, pelos
I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - a Polícia Rodoviária Federal;
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.
Ora, da análise das finalidades inscritas no art. 5º, do CTB em paralelo com o art. 144, § 8º, da CR/88 e, finalmente, com o art. 138 da CE/89, colhe-se que defeso é estender à GUARDA MUNICIPAL, tal como vindicou o dispositivo questionado - art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, os poderes para atuar como polícia ostensiva e aplicação de sanções.
O TJSP, na mesma linha, assim decidiu:
\"(...) A Constituição de 1988 atribuiu às guardas municipais a tarefa de proteção aos bens, serviços e instalações do Município, conforme dispuser a lei (artigo 144, parágrafo 8º), não as fazendo auxiliares da polícia militar nem lhes conferindo função repressiva dos crimes (Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, vol. 5, pág. 246, Ed. Saraiva, 1992).
\"As guardas municipais - escrevem dois estudiosos da matéria - só podem existir se destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Não lhes cabem, portanto, os serviços de polícia ostensiva, de preservação de ordem pública, de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Aliás, essas competências foram essencialmente atribuídas à polícia militar e à polícia civil.\" (Lesley Gasparini Leite e Diógenes Gasparini, GUARDA MUNICIPAL - Criação e implantação - Constituição Federal - Constituição Estadual - Lei Orgânica do Município, in Boletim de Direito MUNICIPAL, ano IV, nº 3, pág. 203) (TJSP - 7ª CCr. de Férias - Apelação nº 288.556-3/0, Rel. Celso Limongi)
Daí que, acompanhando o eminente Relator, acolho, parcialmente, o pedido inicial, expungindo, sem redução do texto do art. 5º, VI, da Lei MUNICIPAL 9.319/2007 e Decreto 12.165/2007 a interpretação tendente a permitir à GUARDA MUNICIPAL a autuação e aplicação de infrações de trânsito.
É como voto.
O SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS:
Sr. Presidente.
Após os acréscimos feitos pelo Des. Alexandre Victor de Carvalho, julgo parcialmente procedente a representação.
VOTO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais em face do inciso VI do art. 5º da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, que institui o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, e do Decreto nº 12.615/2007, que o regulamenta, ambos do Município de Belo Horizonte.
Inicialmente, coloco-me de acordo com o eminente relator e com os votos precedentes quanto à rejeição das preliminares argüidas.
Quanto ao mérito da ação, diante da minuciosa análise do caso em apreço, a meu ver, entendo que, à semelhança do voto proferido pelo nobre e culto Des. Relator, bem como do Des. Primeiro Revisor deve-se reconhecer a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007, bem como do Decreto nº 12.165/2007, afastando a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, pedindo respeitosas vênias aos eminentes Desembargadores que entendem de modo contrário.
Ora, dúvidas não há quanto à necessidade de se impor uma maior FISCALIZAÇÃO ao trânsito da capital, de modo a frear os inúmeros e crescentes abusos cometidos pelos motoristas infratores diuturnamente, sobretudo levando em conta o crescente número da frota de veículos do município.
Ademais, com a recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 817.534, julgado em 10.11.2009, reconhecendo a ilegitimidade da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte - BHTrans - para impor multas por infrações no trânsito, tendo em vista se tratar de uma sociedade de economia mista e, assim, não poderia executar atividade lucrativa, como \"policiamento, FISCALIZAÇÃO e autuação de infrações de trânsito\", já que tem uma \"imensa capacidade arrecadatória diretamente decorrente do PODER de polícia que vem sendo irregularmente exercido\", tal questão merece uma atenção ainda maior.
O exercício do PODER de polícia, cuja finalidade primordial é garantir e assegurar a paz social, para ser exercido de forma plena, necessita ser instrumentalizado pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Com fulcro em seu art. 22, inciso XI, a Constituição Federal incumbe privativamente à União traçar as regras gerais e diretrizes sobre trânsito e transporte, o que não afasta a competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em \"estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito\" (art. 23, inciso XII, CF).
O Município, no gozo de sua competência atribuída pela Constituição Federal, tem autonomia para legislar sobre assuntos e questões atinentes à organização de trânsito e tráfego de interesse local, consoante previsão do art. 30, inciso I, da CF.
Não bastasse isso, a Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu art. 171, alínea \"c\", dispõe que:
Art. 171 - Ao Município compete legislar:
I - sobre assuntos de interesse local, notadamente:
a) o plano diretor;
b) o planejamento do uso, parcelamento e ocupação do solo,a par de outras limitações urbanísticas gerais, observadas as diretrizes do plano diretor;
c) a polícia administrativa de interesse local, especialmente em matéria de saúde e higiene públicas, construção, trânsito e tráfego, plantas e animais nocivos e logradouros públicos;
[...]
Em seu art. 138, a Constituição do Estado de Minas Gerais prevê que \"o Município pode constituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República\".
Cabe aqui, transcrever também o enunciado no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, segundo o qual \"os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei\".
À semelhança do exposto pelo Des. Kildare Carvalho em seu voto, \"estamos diante de atividade de irrecusável interesse local, posto que somente ao Município será possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma cabível do exercício desta proteção aos bens, serviços e instalações municipais, inspirados sempre nos princípios constitucionais norteadores. Será legitima, assim, a atuação MUNICIPAL tendente a regularizar uma situação fática específica, típica, sobre a qual não poderia a União ter legislado de forma minudente\".
A Câmara MUNICIPAL de Belo Horizonte, por intermédio da Lei MUNICIPAL nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007, aprovou o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL, definindo como sua competência, em seu art. 5º, inciso VI, dentre outras, \"atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do Prefeito\".
Todavia, ainda que a referida lei MUNICIPAL preveja tal competência, a meu ver, a Constituição Federal não outorgou à GUARDA MUNICIPAL a atribuição de FISCALIZAÇÃO, controle e orientação do trânsito e tráfego local.
Com efeito, os dispositivos acima transcritos, sobretudo aqueles que traçam a competência da GUARDA MUNICIPAL, não podem ser encarados como uma autorização para uma ampliação das funções das guardas que por ventura vierem a ser criadas, por não ser esse o intuito do constituinte originário.
O texto constitucional, como sabido, não pode ser interpretado extensivamente, não havendo na Carta Magna palavras inúteis ou normas meramente exemplificativas passíveis de alargamento.
Assim, quando o constituinte originário pretendeu deixar a cargo da lei a criação e definição de órgãos, institutos e direitos, utilizou-se da expressão \"a lei disporá\", não trazendo antes qualquer limitação, como o fez no caso em tela.
Lado outro, a Constituição do Estado de Minas Gerais, ao dispor sobre a GUARDA MUNICIPAL em seu art. 138, como não poderia deixar de ser, tratou de remeter o legislador à Constituição Federal.
Deste modo, não é lícito, como está a acontecer em Belo Horizonte, atribuir a uma GUARDA MUNICIPAL competência fora dos limites traçados na nossa Lei Maior. Soa-nos inconstitucional atribuir a esse órgão, mesmo que por via de lei MUNICIPAL, competência para aplicação de penalidades no âmbito do trânsito. Eventual medida nesse sentido repercutirá em nosso ordenamento jurídico e criará outras dificuldades à administração MUNICIPAL.
Importante mencionar, ainda, que a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, admitiu com muita clareza que, aos municípios, compete, no âmbito de sua circunscrição, instituir órgãos e entidades executivas com competência para exercer a FISCALIZAÇÃO do trânsito, ai incluindo-se a aplicação de penalidades.
Tal PODER de polícia, em que pese a discussão acerca da legitimidade da BHTrans para a atuação no trânsito do Município de Belo Horizonte, por se tratar de um PODER ostensivo, é atribuído à Polícia Militar, consoante previsão do art. 142, inciso I, da Constituição Estadual de Minas Gerais:
Art. 142 - A Polícia Militar, força pública estadual, é órgão permanente, organizado com base na hierarquia e na disciplina militares e comandado, em princípio, por oficial da ativa, do último posto da corporação, competindo-lhe:
I - a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública, defesa civil e proteção à fauna e à flora;
A competência legislativa MUNICIPAL no que tange ao trânsito e tráfego local não alcança a função de polícia ostensiva, outorgado pela Constituição do Estado à Polícia Militar, sob pena de ensejar superposição de órgãos na execução de uma mesma atividade e, assim, acabaria por gerar uma desarmonia entre os dispositivos constitucionais e os entes federados.
Não se podem estender à GUARDA MUNICIPAL tais atribuições, visto que deve a mesma cuidar, exclusivamente, do patrimônio da municipalidade, sem se imiscuir em outra área que não esta. E, no exercício dessa importante atividade, tem a GUARDA MUNICIPAL o irrestrito apoio da população pelos relevantes serviços prestados.
Ora, não se olvida que a GUARDA MUNICIPAL, que é órgão de segurança pública, não se apresenta como órgão ou entidade executiva de FISCALIZAÇÃO do trânsito.
Aliás, ressalte-se que o Código de Trânsito Brasileiro prevê em alguns artigos a possibilidade da Polícia Militar executar a FISCALIZAÇÃO do trânsito, mas nunca a GUARDA MUNICIPAL. Se quisesse o legislador federal permitir que esse último órgão também atuação com atribuição idêntica, faria previsão expressa nesse sentido ou, no mínimo, adotaria termos genéricos para se remeter aos órgãos de segurança pública.
O constituinte, com fulcro no art. 144, § 8º, da CF, ao versar sobre a criação das guardas municipais, cuidou de delimitar a sua atuação, estabelecendo que suas atribuições, no campo material, ficariam limitadas à proteção dos bens, serviços e instalações da municipalidade, na forma da lei.
O texto constitucional remeteu a matéria ao legislador ordinário, que daria vida plena ao comando da norma. Mas a lei disporia apenas sobre os modos de execução e demais fatores relacionados às nuances administrativas, nunca ampliando o campo de atuação, para acrescentar competência que o constituinte não estabeleceu.
A inclusão da municipalidade no Sistema Nacional, por intermédio dos seus órgãos e entidades executivas de trânsito, nos termos dos arts. 5º e 7º, da Lei nº 9.503/97, Código Brasileiro de Trânsito, apenas autoriza o município a atuar na condição de coadjuvante junto aos verdadeiros detentores da competência no cenário da segurança pública, nas atividades relacionadas ao trânsito. Não investiu o ente MUNICIPAL de competência para atuar na segurança pública, com poderes para os serviços de polícia ostensiva, de preservação da ordem pública, política judiciária e aplicação de sanções, porquanto tal competência haveria de ter sido atribuída pela própria Constituição Federal, e isto efetivamente não se deu.
Destarte, falecendo a GUARDA MUNICIPAL de competência para atuar na FISCALIZAÇÃO de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, o pedido de declaração de inconstitucionalidade merece ser parcialmente acolhido, afastando-se a possibilidade de aplicação de multas e penalidades que ultrapassam o âmbito de competência da GUARDA MUNICIPAL, sem redução do texto da lei.
Fiel a essas considerações e a tudo mais que dos autos consta, na esteira do voto do eminente Des. Relator, com os acréscimos do voto do Des. Primeiro Revisor, meu voto é no sentido de se rejeitar as preliminares argüidas e JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE para declarar a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei nº 9.319/2007 e do Decreto nº 12.615/2007, sem redução de seu texto, apenas para afastar a interpretação que permite à GUARDA MUNICIPAL a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito.
Custas ex lege.
É como voto.
SÚMULA: VOTARAM JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE, ACOMPANHANDO O PRIMEIRO REVISOR, OS DES. CARREIRA MACHADO E ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS. VOTOU JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE, ACOMPANHANDO O RELATOR, O DES. CLÁUDIO COSTA. VOTOU JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE O DES. ALMEIDA MELO. ADIADO PARA A PRÓXIMA SESSÃO NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 283 DO RITJMG.
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NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pela Prefeitura MUNICIPAL de Belo Horizonte, os Drs. Marco Antônio de Rezende Teixeira e Gustavo Alexandre Magalhães.
O SR. PRESIDENTE (DES. SÉRGIO RESENDE):
O julgamento deste feito foi adiado na Sessão do dia 14/10/2009, a pedido do Des. Roney Oliveira. Na ocasião, após rejeitadas as preliminares, à unanimidade, votaram dando provimento parcial o Relator e o 1º Revisor. Em adiantamento de voto, o Des. Reynaldo Ximenes Carneiro acompanhou o Relator, e o Des. Herculano Rodrigues acompanhou o 1º Revisor. Julgaram improcedente os Des. Célio César Paduani, Jarbas Ladeira, Wander Marotta, Geraldo Augusto, Caetano Levi Lopes, Ernane Fidélis, Belizário de Lacerda, Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Sebastião Pereira de Souza e Bitencourt Marcondes.
Na Sessão do dia 28.10.2009, pediu vista o Des. Carreira Machado, após votarem julgando improcedente o Des. Roney Oliveira e, em adiantamento de voto, o Des. Nepomuceno Silva. Em adiantamento de voto, julgaram parcialmente procedente, acompanhando o Relator, os Des. Kildare Carvalho e Armando Freire, e, acompanhando o Revisor, o Des. José Francisco Bueno.
No dia 09/12/2009, o julgamento foi novamente adiado, nos termos do parágrafo único do art. 283 do RITJMG.
Com a palavra o Desembargador Brandão Teixeira, que se encontrava de férias na data da Sessão anterior.
O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:
VOTO
Em mãos, autos de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS com o objetivo de contestar a validade do inciso VI do artigo 5º da Lei MUNICIPAL nº 9.139/2007 que instituiu o Estatuto da GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte e do Decreto MUNICIPAL nº 12.615/2007 que o regulamentou, ambos do Município de Belo Horizonte.
Os textos impugnados possuem a seguinte redação:
Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007
\"artigo 5º - Compete à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte:
[...]
VI - atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por disposição expressa do prefeito;
.............................................................................
Decreto MUNICIPAL nº 12.615/2007
Artigo 1º - Por força do disposto no inciso VI do art. 5º da Lei nº 9.319, de 19 de janeiro de 2007, a GUARDA MUNICIPAL fica designada para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, no âmbito do Município de Belo Horizonte, devendo anteriormente adotar as seguintes medidas:
I - separação de um contingente para o exercício comcomitante desta tarefa com as demais atribuições da GUARDA MUNICIPAL;
II - treinamento específico para realização desta função\".
O eminente Relator julgou parcialmente procedente a representação e declarou a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei nº 9.319/2007 e do Decreto nº 12.615/2007, sem redução de texto, apenas para afastar a interpretação que permitisse a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
O eminente Revisor Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, valendo-se da mesma técnica lançada no voto do eminente Relator (declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto) votou no sentido de afastar da legislação impugnada a interpretação que permitisse à GUARDA MUNICIPAL a autuação e aplicação de infrações administrativas, bem como toda e qualquer forma de intervenção, inclusive de FISCALIZAÇÃO livre, que não tivesse como fim específico a proteção de bens, serviços e instalações públicas municipais. Após, em complementação de voto, Sua Exa asseverou que o PODER de Polícia atribuído à GUARDA MUNICIPAL não se confundiria com o policiamento ostensivo para fins de vedação de infrações de trânsito, competência exclusiva da Polícia Militar e reafirmou que a GUARDA MUNICIPAL poderia atuar no transito de forma limitada aos preceitos constitucionais, agindo, portanto, como coadjuvante junto aos legítimos detentores da competência nas atividades relacionadas ao! trânsito.
DECRETO MUNICIPAL nº 12.615/2007
Pois bem. Peço vênia ao eminente Relator para divergir em parte, particularmente quanto à apreciação, em controle abstrato e concentrado, do Decreto nº 12.615/2007. O Decreto regulamentar, segundo a doutrina e jurisprudência majoritária de nossos Tribunais, mormente do e. STF, não serve de parâmetro de controle por meio de ação direta de inconstitucionalidade. Nestes casos o que há, de fato, é crise de legalidade e não de inconstitucionalidade.
ARTIGO 5º, INCISO VI, DA LEI MUNICIPAL Nº 9.319/2007
A Constituição do Estado de Minas Gerais em seu artigo 138 dispõe que o Município pode instituir guardas municipais para a proteção de seus bens, serviços e instalações, nos termos do art. 144, § 8º, da Constituição da República.
Sobre as guardas municipais, convém registrar as observações de dois grandes constitucionalistas nacionais.
JOSÉ AFONSO DA SILVA assevera:
\"Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de Polícia MUNICIPAL. Com isso, os Municípios não ficaram com qualquer responsabilidade específica pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que, sendo entidades estatais, não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança, e menos ainda de polícia judiciária.
A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí, certamente, está uma área que é de segurança pública: assegurar a incolumidade do patrimônio MUNICIPAL, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função da Polícia Militar. Por certo que não lhe cabe qualquer atividade de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, que a Constituição atribui com exclusividade à Polícia Civil (art. 144, § 4º), sem possibilidade de delegação às Guardas Municipais.
Quanto às funções auxiliares do policiamento ostensivo, só serão admissíveis aquelas que se refiram a aspectos estáticos, como atendimento e orientação em postos policiais da Polícia Militar e sob a direção desta. Têm sido admitidos também convênios sobre a municipalização do trânsito, desde que isso não importe transferir aos Municípios o policiamento respectivo, reservado á Polícia Militar. Mesmo essa possibilidade tem sido contestada por alguns autores de nomeada, como é o caso de Diógenes Gasparini, para quem a prestação dos serviços de trânsito pelo Município ou por uma de suas empresas não tem como ser legitimamente sustentada: \"Não há qualquer valia no fato de que seu desempenho, nessa área, decorre de convênio celebrado com o Estado-membro, que, por esse instrumento, lhe transferiu dita responsabilidade do policiamento ou FISCALIZAÇÃO de trânsito. A municipalização desses serviços, porque violadora do que prescreve o ordenamento jurídico, não pode ser aceita, devend! o os convênios que a permitiram ser denunciados\". Entendemos, porém, que, desde que seja reservado à Polícia Militar o policiamento do trânsito, os convênios são legítimos.
O certo é que as Guardas Municipais não têm competência para fazer policiamento ostensivo nem judiciário, nem a apuração de infrações penais\" (in. Comentários contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 638/639).
PINTO FERREIRA assevera:
\"Os municípios podem instituir guardas municipais, destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, de acordo com a lei.
Os constituintes poderiam ter alargado as forças das guardas municipais, fazendo-as auxiliares da polícia militar e atribuindo-lhes funções repressivas do crime\". (in. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 246).
Como visto acima, as guardas municipais só podem existir se restritamente destinadas à proteção de bens, serviços e instalações dos respectivos municípios. Logo, a norma impugnada, ao dispor sobre a competência para atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte, afasta-se do preceito constitucional estadual que reproduz a diretriz instituída pelo Constituinte Federal. Registre-se que a lei deve extrair sua validade do Texto Constitucional e não, o contrário.
A norma constitucional em referencia é restritiva e não admite interpretação ampliativa. Convém registrar que o tema é de índole estritamente constitucional e não cabe ao intérprete diante da preferência do constituinte originário dispor diferentemente e atribuir às guardas municipais funções que se confundem com as de policiamento ostensivo às Guardas Municipais. Como visto, não quis o constituinte originário tornar as Guardas Municipais órgãos auxiliares da Polícia Militar no que se refere à polícia de segurança. Fiscalizar o trânsito, como pretende o dispositivo impugnado, não GUARDA sintonia com a proteção do patrimônio público MUNICIPAL, porque sua atividade fiscalizatória, como as informações do Município de Belo Horizonte deixam claro, visará preponderantemente a ação dos condutores de veículos na condução dos mesmos em vias públicas e não se limitará apenas à proteção das referidas vias ou de qualquer instalação ou serviço MUNICIPAL.
ALVARO LAZZARINI assevera que:
\"A FISCALIZAÇÃO - como insiste Diogo de Figueiredo Moreira Neto - \"No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública - esta da competência exclusiva da Polícia Militar -, é que toma o nome de policiamento.
Daí PODER asseverar-se que, em absoluto, não é jurídico, dentro do ordenamento constitucional e infraconstitucional vigente, delegar-se PODER de FISCALIZAÇÃO de trânsito, previsto para a Polícia Militar, para qualquer outro órgão público, estadual ou MUNICIPAL, pois, trânsito, dizendo respeito à ordem pública, nos seus aspectos segurança pública e tranqüilidade pública, tem a sua FISCALIZAÇÃO tomada pelo nome de policiamento\" (in. Estudos de Direito Administrativo: São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 319).
Na mesma toada segue a brilhante lição sobre o tema da Professora e Procuradora do Estado RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO já lembrada pelo eminente Desembargador Alexandre Victor de Carvalho. A citada autora assevera:
\"Discussão a propósito da competência relativa ao exercício do PODER de polícia ganhou importância, em face da criação, por vários Municípios, das chamadas Guardas Municipais. O artigo 144, §8º, da Constituição da República somente autoriza o Município a constituir GUARDA MUNICIPAL destinada à proteção dos seus bens, serviços e instalações, sendo inadmissível que haja ampliação em qualquer outro diploma, inclusive em lei aprovada pela Câmara de Vereadores. Isto principalmente se a ampliação pretendida termina por usurpar competência como a segurança pública a ser exercida pelas polícias militares de corpos de bombeiros militares (art. 144, V, da CR). Afinal, o § 5º do artigo 144 da CR prevê que à PMMG cabe a preservação da ordem pública e ao Corpo de Bombeiros a execução de atividades de defesa civil, não havendo atribuição de PODER à GUARDA Civil MUNICIPAL de prestação de segurança da comunidade, mas somente dos bens e serviços públicos.
Em nenhum dispositivo da Constituição da República encontra-se previsto PODER de o Município zelar, diretamente, pela segurança dos cidadãos, mediante atividades de policiamento ostensivo, nem mesmo PODER de fiscalizar o trânsito, incluindo-se aplicação das sanções cabíveis. E não há dúvida sobre a diferença entre proteger patrimônio público do Município e funcionar como instituição policial de segurança das pessoas\". (in. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador. Editora Juspodivm, 2009. p. 360).
Enfim, o PODER de polícia atribuído à GUARDA MUNICIPAL não se confunde com o policiamento ostensivo para o fim de vedação de infrações de trânsito, de competência exclusiva da Polícia Militar, por expressa disposição da Constituição Mineira, ex vi de seu artigo 142, inciso I (Art. 142 - A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, forças públicas estaduais, são órgãos permanentes, organizados com base na hierarquia e na disciplina militares e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do último posto, competindo: I - à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas com a preservação e restauração da ordem pública, além da garantia do exercício do PODER de polícia dos órgãos e entidades públicos,especialmente das áreas fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;).
Enfim, à luz do artigo 138 da CEMG, que repete as disposições do artigo 144, § 8º, da CF/88, a atuação das Guardas Municipais devem apenas limitar-se à proteção de bens, instalações e serviços dos respectivos municípios, não comportando ampliação para funções que extrapolem da proteção dos referidos bens.
À luz de tais considerações, julgo procedente a presente representação para declarar a inconstitucionalidade do inciso V, do artigo 5º da Lei MUNICIPAL nº 9.319/2007 do Município de Belo Horizonte.
É como voto.
Assinalo também que recebi substancioso memorial, que me foi entregue pessoalmente pelo ilustre Procurador Geral do Município. Sobre ele fiz algumas notas, que passaram a compor meu voto, nas quais destaco algumas questões por ele suscitadas.
VOTO
NOTAS SOBRE O MEMORIAL:
Itens 8 e 9: princípios de Direito Administrativo, por mais comezinhos que sejam qualificados, não podem se sobrepor às normas constitucionais. Com a devida vênia daqueles que entenderam o contrário, parece clara a restrição colocada nos textos das Constituições Federal e Estadual às atribuições das Guardas Municipais. Querer elasticizar o texto Constitucional para conferir atribuições a mais quando o texto quis restringi-las, data venia, soa como violência interpretativa aos dispositivos da Constituição.
Item 13: A alegação de que seria absurdo reconhecer competência ao Município para organizar e fiscalizar o trânsito e negar-lhe competência para punir os infratores, como arguido em memorial, revela que o propósito da criação da GUARDA MUNICIPAL é de exercer atividade que não se comporta dentro da restrição constitucional que lhe foi imposta de apenas velar pela proteção de bens, instalações e serviços do município.
Item 27: Com a devida vênia, não me parece correto afirmar que o Município, por meio de lei regularmente promulgada, possa atribuir a qualquer servidor público as competências necessárias para cumprir seus deveres constitucionais. Há competências cujo exercício está atribuído a determinados órgãos, como a segurança pública e o policiamento ostensivo. A título de mera ilustração, seria impensável de se atribuir o exercício de polícia judiciária a agentes públicos somente pelo fato de que crimes e contravenções ocorrem em vias e instalações municipais.
Item 38: A princípio não estaria em discussão o exercício da FISCALIZAÇÃO de trânsito por outros órgãos municipais, mas apenas a atribuição de outras funções à GUARDA MUNICIPAL em face da restrição que os textos Constitucionais impõem à atuação dela.
O SR. DES. PRESIDENTE:
Após o voto do Des. Brandão Teixeira, a situação é a seguinte: pela improcedência, são doze votos; pela procedência parcial, em maior ou menor extensão, são dez votos; e pela procedência, são dois votos.
Sendo assim, considero que a votação está empatada, fazendo-se necessário que eu profira voto. Analisei profundamente a questão, e tenho posicionamento firmado, conforme o voto que passo a expor.
VOTO
Determina o art. 11, inciso III do Regimento Interno deste Tribunal, competir ao Presidente proferir voto de desempate nos julgamentos judiciais que presidir.
No caso em apreço, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justiça em face do art. 5º, inciso VI, da Lei MUNICIPAL n.º 9.319/2007, que dispõe que \"compete à GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte atuar na FISCALIZAÇÃO, no controle e na orientação do trânsito e do tráfego, por determinação expressa do prefeito\".
O Relator do feito, Des. Alvimar de Ávila, votou pela procedência parcial do pedido, \"para declarar a parcial inconstitucionalidade do art. 5º, inciso VI, da Lei n.º 9.319/2007 e do Decreto n.º 12.615/2007, sem redução do seu texto, apenas para afastar a interpretação que permite a autuação e aplicação de infrações administrativas de trânsito pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte\", sendo acompanhado pelos Desembargadores Reynaldo Ximenes Carneiro, Kildare Carvalho, Armando Freire e Cláudio Costa.
Nos moldes do voto do 1º Revisor, Des. Alexandre Victor de Carvalho, os Desembargadores Herculano Rodrigues, José Francisco Bueno, Carreira Machado e Antônio Armando dos Anjos votaram pela procedência parcial do pedido, para afastar \"da legislação impugnada a interpretação que permite à GUARDA MUNICIPAL a autuação e aplicação de infrações administrativas (voto condutor), bem como toda e qualquer forma de intervenção, inclusive de FISCALIZAÇÃO livre, que não tenha como fim específico a proteção de bens, serviços e instalações públicas municipais\".
Julgaram improcedente o pleito os Desembargadores Célio César Paduani, Jarbas Ladeira, Wander Marotta, Geraldo Augusto, Caetano Levi Lopes, Ernane Fidélis, Belizário Lacerda, Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Sebastião Pereira de Souza, Bitencourt Marcondes, Roney Oliveira e Nepomuceno Silva.
O Des. Almeida Melo votou pela procedência total do pedido, para declarar inconstitucional o art. 5º, inciso VI, da Lei MUNICIPAL n.º 9.319/2007 e o art. 1° do Decreto MUNICIPAL n° 12.615/2007, sendo acompanhado pelo Des. Brandão Teixeira.
Assim, observa-se a ocorrência de empate, necessitando-se, pois, que seja proferido voto de desempate.
É o que se passa a fazer.
Peço vênia ao i. Relator, para dele discordar.
Conforme disposto no art. 144, § 8°, da Constituição da República e art. 138, da Constituição do Estado de Minas Gerais, compete aos Municípios constituir guardas municipais para proteção de seus bens, serviços e instalações.
Por outro lado, segundo o art. 171, também da Constituição Mineira, tem o Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente no que se refere à polícia administrativa, em matéria de trânsito e tráfego.
Nesses termos, sem qualquer afronta aos dispositivos constitucionais acima mencionados, a legislação e o decreto municipais impugnados estabeleceram e regulamentaram a FISCALIZAÇÃO, controle e orientação de trânsito e tráfego pela GUARDA MUNICIPAL de Belo Horizonte.
O que se vê, portanto, é que as normas em questão dispõem sobre a atuação do Município de Belo Horizonte, por meio de seus servidores (guardas municipais), na FISCALIZAÇÃO, controle e orientação do trânsito e do tráfego em nítido exercício do PODER de polícia administrativo, que é da atribuição dos entes públicos.
O PODER de polícia administrativo em questão, de forma alguma, se confunde com as atribuições de polícia ostensiva e de polícia judiciária, exercidas pela Polícia Militar e pela Polícia Civil.
Por meio do PODER de polícia administrativo, cabe ao ente público, no caso o Município de Belo Horizonte, dentro de suas atribuições, impor ao administrado determinada conduta, com possibilidade de coercibilidade e auto-executoriedade, aplicando sanções quando verificada qualquer infração em detrimento do interesse coletivo de regular controle do trânsito. A presunção de legitimidade, a coercibilidade e a auto-executoriedade são atributos do ato administrativo, que no caso em análise, é exercido pelo próprio ente público, pessoa jurídica da Administração Direta, por meio de seus servidores, sem qualquer delegação.
Em face do exposto, não vislumbrando qualquer inconstitucionalidade nas normas impugnadas, acompanho o voto divergente para julgar improcedente a presente ação.
SÚMULA : POR MAIORIA, JULGARAM IMPROCEDENTE.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0000.08.479114-4/000
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Inspetor Frederico