14 dezembro 2025

Análise Criteriosa da PEC 18/2025

 

1. Riscos de Interferência nas Competências Municipais (Guardas Municipais)

O principal ponto de preocupação municipal reside na redefinição ou detalhamento das competências das Guardas Municipais (GMs). A legislação atual e a jurisprudência conferem uma margem de atuação aos municípios que a PEC pode vir a relativizar ou padronizar de forma excessiva.

  • Proposta de Padronização e Diretrizes Nacionais: A PEC confere à União a competência para estabelecer diretrizes gerais quanto à política de segurança pública e defesa social (art. 21, II, XXXI da CF/88, na redação proposta).

    • Risco: Embora a padronização e a integração sejam objetivos louváveis (para combater o crime organizado), o excesso de normas gerais federais pode engessar a atuação municipal e desconsiderar as peculiaridades locais, violando o princípio da autonomia municipal (art. 30, I, da CF/88).

  • Regras para as Guardas Municipais: O relatório substitutivo mais recente menciona a criação da "polícia municipal comunitária" e estabelece regras de transição para que Guardas Municipais se transformem em forças policiais.

    • Análise de Risco:

      • Avanço vs. Intervenção: Por um lado, isso pode ser visto como um avanço no reconhecimento do papel das GMs, fortalecendo a segurança comunitária. Por outro, se as regras de transição e os novos padrões de organização, formação e atuação forem impostos de forma rígida pela União/Estados, isso pode interferir diretamente na capacidade do município de organizar seus próprios serviços. A Lei 13.022/2014 já confere o Estatuto Geral das GMs, e qualquer modificação constitucional que altere o status ou a competência sem a devida observância da autonomia local é um risco.

  • Obrigatoriedade e Financiamento (Art. 23, XIII): A PEC altera o art. 23 para incluir a competência comum da União, Estados, DF e Municípios de "prover os meios necessários à manutenção da segurança pública e da defesa social".

    • Risco e Benefício: Embora constitucionalize a responsabilidade municipal (já implícita na criação das GMs), o risco é que a União e os Estados, ao fixarem as diretrizes gerais, imponham ônus de atuação (equipamentos, padrões de efetivo, nova formação) sem a correspondente fonte de financiamento obrigatória ou sem garantir que os fundos federais cheguem efetivamente aos municípios.

2. Confronto com a Legislação e Jurisprudência Existente

DocumentoPonto Central para MunicípiosConfronto com a PEC 18/2025
CF/88 (Art. 144, § 8º)Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.A PEC busca ir além, prevendo a "polícia municipal comunitária" e ampliando atribuições. O risco é a redefinição constitucional que, em nome do policiamento ostensivo e comunitário (mencionado no substitutivo), possa forçar uma única estrutura ou modelo, invadindo a capacidade de auto-organização municipal.
Lei 13.022/2014 (Estatuto G. das GMs)Define competências específicas, permitindo a atuação como polícia comunitária (uso progressivo da força, proteção de bens e pessoas).O substitutivo da PEC, ao criar um novo status ("polícia municipal comunitária") e regras de transição, pode tornar a lei federal atual obsoleta ou exigir uma readequação estrutural custosa imposta de cima para baixo.
Lei 13.675/2018 (SUSP)Constitucionaliza os planos de segurança formulados por União, Estados e Municípios, e o substitutivo garante o financiamento por meio do FNSP.Se a PEC garantir que a União apenas coordena e financia, mantendo a prerrogativa municipal de executar e decidir a forma de patrulhamento (respeitando as peculiaridades), não há risco. O risco surge se a coordenação se transformar em interferência gerencial ou operacional.
ADPF 995 (STF)Reconheceu as GMs como órgão de segurança pública integrante do SUSP e com competência para realizar patrulhamento preventivo e abordagens, indo além da mera proteção de bens.O substitutivo, ao prever a "polícia municipal comunitária", acompanha a tendência da ADPF 995. O risco, novamente, é que a União use a PEC para monopolizar a definição de padrões operacionais (treinamentos, doutrinas, etc.), que atualmente têm certa flexibilidade municipal.


3. O Ponto de Partida: O Estatuto Atual do Município na Segurança Pública

O ordenamento jurídico atual confere aos Municípios e suas Guardas um papel que a PEC busca redefinir, mas que já foi consolidado pela jurisprudência:


Pilar Legal

Ponto Central para os Municípios

CF/88 (Art. 18 e Art. 30, I)

O Município é um ente federativo autônomo, com competência para legislar sobre assunto de interesse local.

CF/88 (Art. 144, § 8º)

Define as GMs para a proteção de seus bens, serviços e instalações.

Lei 13.022/2014 (Estatuto Geral das GMs)

Estabelece as normas gerais para as GMs, definindo-as como instituições de caráter civil, com a função de proteção municipal preventiva.

Lei 13.675/2018 (SUSP)

Inclui as Guardas Municipais, expressamente, como órgãos operacionais integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

ADPF 995 (STF)

O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu interpretação conforme a Constituição ao Art. 4º da Lei 13.022/14 e ao Art. 9º da Lei 13.675/18, declarando inconstitucional toda interpretação que exclua as GMs como integrantes do Sistema de Segurança Pública. Isso legitima a função de policiamento preventivo das GMs, além da mera guarda patrimonial.

Decreto 11.841/2023

Regulamenta a cooperação, reconhecendo o patrulhamento preventivo e a possibilidade de realizar prisão em flagrante e atuar em ocorrências emergenciais, prestando apoio aos demais órgãos de segurança.


4. Riscos de Interferência e Centralização Federativa na PEC 18/2025

A PEC 18/2025 tem como um de seus objetivos a coordenação contínua e o padrão de atuação entre os entes federados , o que é necessário para o combate ao crime organizado de dimensão nacional. Contudo, é justamente na busca por padronização que reside o maior risco à autonomia municipal.


A. Risco de Violação da Autonomia de Auto-Organização (Art. 18 e Art. 30, I, da CF/88)

O ponto mais crítico é a proposta de revogação do § 8º do Art. 144.

  • Interferência Direta: A revogação do dispositivo que define a competência da GM (proteção de bens, serviços e instalações) e sua substituição por uma nova arquitetura constitucional (como a proposta de "polícia municipal comunitária" que se discute no substitutivo) pode ser usada para impor, de cima para baixo, um modelo organizacional rígido.

  • Supressão do Interesse Local: A autonomia municipal (Art. 30, I) permite que cada Município, de acordo com suas peculiaridades (tamanho, complexidade, orçamento), defina a melhor forma de organizar seus serviços. Se a União, ao fixar as novas diretrizes gerais (Art. 21, PEC), detalhar a organização, o efetivo mínimo, o regime de carreira ou as regras de transição das Guardas, estará legislando sobre interesse local de forma suplementar (Art. 30, II), mas com força constitucional, esvaziando a capacidade de auto-organização do Município.

B. Risco de Controle Indireto por Meio do Financiamento

O Relatório da PEC propõe a constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Nacional Penitenciário (FUNPEN) para estabilizar o financiamento.

  • Mecanismo de Coerção (Lei 13.675/2018): A Lei 13.675/2018 (SUSP) já vincula o repasse de recursos. Os entes federados que não fornecerem ou atualizarem dados no Sistema Nacional de Informações e de Gestão de Segurança Pública e Defesa Social (Sinesp) não podem receber recursos do Funpen ou do Pronasci12121212.

    O Risco na PEC: Se a PEC elevar a um patamar constitucional ou infraconstitucional mais rígido a condição de recebimento de recursos ao cumprimento de metas e padrões federais (Art. 23 e 24, PEC, e Art. 40 e 41 da Lei 13.675/2018), o Município é forçado a abandonar suas prioridades locais para se adequar ao "padrão nacional" imposto, sob pena de perder recursos essenciais. Isso representa uma interferência gerencial por via orçamentária.

C. Risco de Centralização Normativa Excessiva

A PEC altera o Art. 21 (competências da União) e Art. 22 (competência privativa da União para legislar)

  • Embora a União tenha competência para estabelecer normas gerais (Art. 24, CF/88), a PEC busca dar à União a prerrogativa de liderar a coordenação e estabelecer diretrizes gerais para a PNSPDS

    O Conflito: O Art. 24, § 2º, da CF/88 estabelece que a competência da União para normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. A competência dos Municípios para legislar sobre interesse local (Art. 30, I) permite que eles também o façam, suplementando as normas gerais da União e dos Estados. O excesso de detalhamento das normas gerais federais na PEC pode, na prática, eliminar a margem de suplementação e de legislação sobre interesse local, ferindo o pacto federativo.

Conclusão Crítica

A PEC 18/2025 reflete a necessidade de um Estado mais forte e coordenado para enfrentar o crime organizado. No entanto, o seu maior risco reside em transformar a necessária coordenação federativa em centralização de poder e interferência na autonomia municipal.

A revogação do Art. 144, § 8º, é a porta de entrada para uma nova regulamentação das Guardas Municipais que, se detalhada em excesso pela União (por meio de normas gerais impositivas), pode:

  1. Uniformizar a Força: Impedindo que os Municípios adaptem a organização e a atuação de suas GMs à realidade e aos recursos locais (violando a autonomia do Art. 18 e 30, I, da CF/88).

  2. Coagir pela Bolsa: Usar o repasse de recursos federais (FNSP/FUNPEN) como instrumento de coerção para forçar a adesão a padrões federais rígidos, desviando o foco da Guarda Municipal das prioridades locais para o atendimento de exigências burocráticas centrais.

A decisão do STF na ADPF 995 já reconheceu a GM como órgão de segurança pública, dando-lhes legitimidade e autonomia para o patrulhamento preventivo. A PEC deve, portanto, consolidar esse entendimento sem retirar a capacidade do Município de ser o principal arquiteto de sua segurança local

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