A polêmica greve da Guarda Municipal (GM) de Paulínia, que partiu para o enfrentamento com o prefeito Edson Moura (PMDB) em reivindicação por melhores condições de trabalho, expôs uma situação comum em outras cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC): a falta de porte legalizado das armas. As corporações de pelo menos dez das 19 cidades atuam em total ou parcial desacordo com normas federais publicadas entre 2004 e 2006, que regulamentaram o Estatuto do Desarmamento (Lei Federal n 10.826, de dezembro de 2003).
As únicas exceções entre as prefeituras que responderam aos questionamentos da reportagem sobre o assunto são as de Campinas e Indaiatuba, que afirmam cumprir integralmente as exigências. As de Nova Odessa, Valinhos, Santa Bárbara d’Oeste, Monte Mor, Santo Antonio de Posse e Vinhedo ou iniciaram o processo ou já cumpriram as providências e agora apenas aguardam a regularização da documentação.
Outras, como as de Sumaré, Paulínia e Jaguariúna, não avançaram: se apóiam em liminares judiciais ou na legislação antiga sobre o uso de armas — que tinha porte autorizado pela Polícia Civil. Itatiba, Hortolândia, Holambra, Artur Nogueira, Cosmópolis, Engenheiro Coelho e Pedreira não informaram a situação do uso de armas por suas guardas municipais.
Os 19 municípios da RMC superaram, por integrarem uma região metropolitana, o primeiro empecilho imposto pelo Estatuto do Desarmamento em 2003, que foi a restrição ao uso de armas vinculada ao número de habitantes — para permitir o porte, o governo fixou uma população de pelo menos 50 mil pessoas. Mas, agora, as cidades da região de Campinas precisam cumprir uma série de outras obrigações, estabelecidas pelo Decreto Presidencial n 5123/2004 e pela Portaria 365/2006, da Polícia Federal (PF).
As normatizações especificam, por exemplo, que a autorização para o uso do armamento pelas GM passa, obrigatoriamente, pela assinatura de convênios entre a PF e as prefeituras. Tais instrumentos, por sua vez, devem ser precedidos pelo cumprimento de uma série de metas de qualificação das instituições e de seus efetivos. Concretizados os convênios, os próprios municípios passam a ter autoridade, via Sistema Nacional de Armas (Sinarm), para expedir o porte de arma, tanto funcional quanto pessoal, aos seus guardas municipais.
Uma das etapas para viabilizar as parcerias com a PF é a criação da Corregedoria e da Ouvidoria das GMs. Outras são a redação de um regulamento interno tratando sobre a guarda, posse, porte e uso do armamento, além dos mecanismos de controle capazes de evitar abusos ou uso indevido por servidores temporariamente inaptos (por fatores que vão do estresse e depressão ao alcoolismo ou uso de entorpecentes).
Um curso anual com carga horária mínima de 80 horas, avaliação psicológica bianual de rotina de todo o efetivo e a cada ocorrência com disparo de arma de fogo por um guarda são outras obrigações a cumprir.
Na frente
Das prefeituras que responderam à reportagem, as de Campinas e de Indaiatuba asseguraram ter a chancela da PF e já conceder os portes de armas às suas respectivas corporações. A Secretaria Municipal de Cooperação em Assuntos de Segurança Pública de Campinas informou, pela assessoria de imprensa, que o porte (com permissão de uso por 24 horas, inclusive fora do expediente) é fornecido diretamente pelo Município desde o começo deste ano.
Em Indaiatuba, as normas também são cumpridas à risca, segundo o secretário de Governo, João Martini Neto. A cidade, inclusive, é centro de formação de GMs no Estado, pois oferece, na Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura (Fiec), um curso de capacitação e requalificação profissional de guardas municipais.
“Temos um convênio com o Ministério da Justiça que nos permite emitir os certificados exigidos pela PF”, afirma o secretário, que também é superintendente da Fiec. Martini Neto cita, inclusive, que, em março deste ano, a Fiec foi palco de uma cerimônia para assinatura de convênios entre a PF e várias cidades paulistas. Da região, firmaram a parceria na ocasião, segundo ele, além de Indaiatuba, as prefeituras de Valinhos e Hortolândia (no entanto, esta última não deu retorno à reportagem para confirmar a regularização do porte).
Conselheiro nacional aponta lacuna jurídica
Apesar de seu município estar com a legalização encaminhada, o secretário de Segurança Pública de Valinhos, Ruyrillo Magalhães, pondera que o Estatuto do Desarmamento criou uma lacuna jurídica que, de fato, confunde os gestores. Ele não se furta, pela posição que ocupa no conselho das GMs, a criticar essa indefinição. “O governo levou três anos para explicar (as normas para a GM) e agora faz uma série de exigências de uma hora para a outra. Várias estavam na lei (estatuto), mas precisavam ser regulamentadas, o que aconteceu há pouco tempo”, diz Magalhães, conselheiro nacional vitalício das GMs do Brasil. Mas, no entender do secretário, mesmo os municípios que ainda não atenderam às normas mais recentes encontram amparo para liberar o uso de armamento por suas guardas. “Existe uma certa tolerância legal porque o estatuto permite o porte de arma para as guardas municipais (no caso da RMC)”, avalia. Para o advogado e instrutor da GM de Curitiba, no Paraná, Claudio Frederico de Carvalho, autor de vários artigos e consultado por prefeituras de todo o Brasil sobre o tema, uma das formas de obter respaldo para a operação nesse período sem os convênios obrigatórios seria mesmo a via judicial. “Quanto aos guardas estarem em situação ilegal, se não houver autorização da PF, a corporação estará ilegal. Se for o caso, a saída é ingressar com pedido de habeas corpus preventivo, até que sejam sanadas as falhas”, opina. (SA/AAN)
Valinhos e Vinhedo já fizeram convênio com PF
Seis cidades da RMC garantem estar adiantadas no trâmite para fornecer o porte de arma às suas respectivas guardas municipais. Este é o caso de Valinhos. Segundo o secretário de Segurança Pública valinhense, Ruyrillo Magalhães — que também é conselheiro nacional vitalício das GMs do Brasil —, o convênio obrigatório com a PF já foi firmado. Ele afirma que a Prefeitura aguarda apenas a liberação dos portes para dar início à concessão direta.
Em Vinhedo, o convênio com a PF também foi firmado e várias das etapas obrigatórias cumpridas, segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura. No momento, a cidade atua, segundo nota encaminhada à reportagem, na “requalificação de tiro e na criação do plano de metas” da corporação. A Corregedoria e a Ouvidoria, fundamentais para a assinatura da parceria, já foram criadas.
Santa Bárbara d’Oeste tem Ouvidoria e Corregedoria e disponibiliza o curso obrigatório a partir de janeiro, segundo a assessoria de imprensa, dando seguimento ao convênio que já está em trâmite há dois anos. A assessoria ressalta que, enquanto isso, o uso de armas pelos GMs é apoiado em liminar judicial.
Em fase semelhante está Santo Antonio de Posse, que, segundo o coordenador geral da GM, Marcelo Luís Purcello, já protocolou toda a documentação e aguarda a efetivação do convênio. A cidade também tem liminar em vigor desde 2003, quando o Estatuto do Desarmamento vetou o uso de armas com base no número de habitantes — lá, a população é de 22 mil pessoas.
Monte Mor igualmente aguarda a assinatura da parceria, mas já cumpriu todas as etapas para tanto, segundo a assessoria da Prefeitura. Ouvidoria, Corregedoria, plano de carreira e estatuto são algumas delas. A cidade tem ainda uma liminar judicial em vigor. A Prefeitura de Nova Odessa informou que já encaminhou a documentação necessária para o convênio e aguarda posicionamento da PF.
Outras cidades da RMC ainda batalham para atender às normas da PF sobre o porte de armas das GMs. Em Sumaré, segundo o supervisor Administrativo da Secretaria de Segurança, Jair Ramos, o convênio “está em andamento”, embora o Município não tenha ainda implantado a Ouvidoria nem a Corregedoria da corporação, duas das etapas básicas para a parceria. Por enquanto, diz ele, os guardas sumareenses trabalham armados amparados por uma liminar judicial, que autoriza o porte 24 horas.
Em Jaguariúna, a assessoria de imprensa da Prefeitura não informou se há qualquer providência em curso para a assinatura do convênio, nem para o cumprimento das normas fixadas pela PF. Em nota enviada à reportagem, a informação é que o porte da corporação do município é assegurado por um habeas corpus preventivo com pedido de liminar, deferido pela Justiça em fevereiro deste ano. (SA/AAN)
Situação levou a greve de 11 dias em Paulínia
Em Paulínia, a falta do convênio com a PF para a concessão do porte originou toda uma celeuma entre a GM e o prefeito Edson Moura (PMDB), que culminou na deflagração de greve pela categoria, que durou 11 dias e foi encerrada na quarta-feira passada. Lá, o argumento do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Paulínia, que encampou a luta dos guardas, é que a falta do porte legalizado implicaria até em risco de prisão em flagrante dos GMs pelas polícias Civil ou Militar.
“A GM de Paulínia não tem porte de arma. Se um guarda fizer uso da arma em serviço e balear um bandido, mesmo que inocentado por legítima defesa, vai responder criminalmente com base no Estatuto do Desarmamento”, disse à reportagem, no início do movimento, o advogado do sindicato, Jamir Menalli.
No entanto, o secretário de Segurança e vice-prefeito de Paulínia, Jurandir Matos (PMDB), argumenta que a autorização de porte anotada nas carteiras funcionais dos guardas pelo Departamento de Identificação e Registros Diversos (Dird), órgão da Polícia Civil de São Paulo, é a chancela necessária para o uso do armamento. “Estranho muito que a Civil não tenha mais competência para conceder porte de arma e tenha renovado essa autorização até 2009 para os nossos guardas”, diz.
Matos, que também é coordenador da Câmara Setorial de Segurança da RMC, aponta ainda que as novas normas estabelecidas pela PF não fixam data limite para a assinatura dos convênios. “O que eu entendo é que existe uma portaria em vigor e que as cidades que não têm isso (convênios) podem continuar como estão, se têm porte autorizado por outra via, até que possam atender às exigências”, analisa.
No entanto, em resposta a questionamento da reportagem sobre a validade das funcionais da GM de Paulínia (cuja cópia foi encaminhada por fax), a assessoria de comunicação da Superintendência da PF em São Paulo respondeu de forma inequívoca que “é simplesmente um documento de identificação funcional da GM, não lhe conferindo, em hipótese alguma, licença para o porte de arma”. (SA/AAN) |
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